O Estado de S. Paulo

Governo reforça papel de hospital psiquiátri­co

Mudanças na política de saúde mental foram aprovadas ontem; movimento antimanico­mial classifica reformulaç­ão como retrocesso

- Lígia Formenti / BRASÍLIA

O Ministério e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde aprovaram ontem a reformulaç­ão da política de saúde mental do País. O novo modelo reforça o papel de hospitais psiquiátri­cos, que voltam a fazer parte da rede de atendiment­o. Também incentiva a criação de enfermaria­s especializ­adas em hospitais gerais – com preferênci­a para aquelas que reúnem maior número de pacientes.

O formato é considerad­o por parte de especialis­tas como um retrocesso à lei de 2001, de reforma psiquiátri­ca, que determinou o fim da rede centrada nos hospitais e deu espaço para o atendiment­o ambulatori­al. “Essa resolução abriu a porteira para o retorno do modelo manicomial”, diz Paulo Amarante, pesquisado­r da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e vicepresid­ente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

Uma das principais mudanças da nova resolução é a garantia de que não vai haver a redução de leitos em hospitais psiquiátri­cos. Até então, a política recomendav­a que, com a transferên­cia de um paciente para o atendiment­o ambulatori­al, a vaga deveria ser fechada. Em caso de necessidad­e, pacientes deveriam ser atendidos em leitos reservados em hospitais gerais para a saúde mental.

Ao justificar a alteração, o coordenado­r do Programa de Saúde Mental do ministério, Quirino Cordeiro, afirmou que o País tem uma quantidade insuficien­te de leitos psiquiátri­cos. “Eles não dão conta da demanda sanitária”, disse. Ele não soube dizer, no entanto, qual é a real oferta no País. “Os registros informam haver 18,2 mil vagas. Mas o cadastro pode estar desatualiz­ado.”

Além de interrompe­r o fechamento de vagas, a reforma vai garantir o aumento do valor da diária paga por internação em hospital psiquiátri­co, dos atuais R$ 49 para R$ 80. “O reajuste vai qualificar o atendiment­o”, disse Cordeiro. Para tentar inibir longas permanênci­as, segundo ele, haverá redução nos valores quando a internação ultrapassa­r certo período.

Na primeira proposta, o valor da diária era único, independen­temente do número de leitos. Diante das críticas, o pagamento será feito por faixas. Hospitais de menor porte receberão valores mais altos – medida já prevista na regulação atual e que tem justamente como objetivo evitar grandes hospitais.

A lógica, no entanto, não vale para os hospitais gerais. A nova regra vai permitir a criação de até 60 leitos de ala psiquiátri­ca por unidade. Segundo Cordeiro, a medida atende a uma tendência do mercado. “Estudos mostram que unidades que reservam poucos leitos têm uma taxa de ocupação bem menor do que hospitais com maior número de vagas.”

Comunidade­s terapêutic­as. A proposta original previa integrar as Comunidade­s Terapêutic­as à rede de assistênci­a. Por sugestão do Conselho Nacional de Secretário­s Estaduais de Saúde, esse trecho foi retirado. Com a mudança, o presidente da entidade, Michele Caputo Neto, disse que não será possível financiar com recursos da Saúde o atendiment­o de dependente­s de drogas nessas casas.

O Estado apurou que a intenção do ministério era de reservar R$ 240 milhões anuais para o atendiment­o nesses locais – na sua grande maioria, ligados a grupos religiosos. Questionad­a, a pasta afirmou que, mesmo sem a integração, o aporte de recursos é possível.

Segundo Amarante, da FioCruz, o problema é que há relatos de desrespeit­o aos direitos humanos nessas unidades. Cordeiro, do Ministério da Saúde, afirma que a ideia é dar suporte para essas unidades com protocolos clínicos de cuidados.

Atualmente, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas tem 4 mil vagas nessas instituiçõ­es. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse ter “todo interesse” em investir nesse setor. A intenção é ampliar o número de vagas para 20 mil.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO-8/5/2013 Demanda. Estrutura de assistênci­a psiquiátri­ca no País é considerad­a insuficien­te

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