O Estado de S. Paulo

Infantino é acusado de acordos em jogos

Presidente da Fifa teria feito ‘vistas grossas’ a manipulaçõ­es na Turquia quando ocupava o cargo de secretário da Uefa

- Jamil Chade / GENEBRA

Documentos confidenci­ais a que o ‘Estado’ teve acesso revelam que Gianni Infantino, presidente da Fifa, interveio de forma tendencios­a em assuntos disciplina­res na Uefa enquanto era seu secretário­geral. Ele teria fechado acordo com suspeitos de envolvimen­to na manipulaçã­o de resultados de jogos na Turquia, entre eles do Fenerbahçe.

O caso – que está sendo revelado pelo Estado e mais dois grandes jornais do mundo – é mais uma polêmica envolvendo o presidente da Fifa que, ao assumir a entidade em meio ao caos da corrupção, garantiu que a crise havia sido superada.

Em 2011, a polícia turca iniciou operação contra a manipulaçã­o de resultados no país. Em 10 de julho, 61 pessoas foram presas, entre presidente­s de clubes, treinadore­s e atletas. Meses depois, 93 pessoas foram investigad­as num dos maiores casos de manipulaçã­o de resultados da Europa. Ao todo, 22 partidas estavam sob suspeita.

Os dirigentes turcos passaram a fazer pressão para evitar que os maiores clubes do país fossem rebaixados ou punidos duramente. Deu certo. Em 18 de setembro de 2014, o então presidente da Federação Turca, Mehmet Ali Aydnlar, revelou bastidores do caso. Ele próprio sugeriu ao Fenerbahçe que ficasse fora da Liga dos Campeões antes que uma pena fosse aplicada ao clube. Ele conta que, em 23 de agosto de 2011, Infantino lhe enviou carta sugerindo que o maior clube da Turquia não disputasse o torneio. “Não é aceitável para a Uefa deixar o Fenerbahçe iniciar a Liga e depois ser eliminado por seu envolvimen­to com manipulaçã­o de jogos”, escreveu Infantino.

Segundo Ali, um “grande processo de barganha” ocorreu na sede da Uefa nas semanas seguintes. “A Uefa aceitou nossa proposta. Em troca de redução de pontos e penas financeira­s, o caso seria encerrado. Um ano de suspensão seria aplicado ao time na Europa”, disse. “Fizemos a barganha em nome do futebol turco. Concordara­m”.

O acordo, porém, era verbal. “Eu pedi confirmaçã­o por escrito. Infantino me disse para lhe enviar uma carta para ele confirmar a opinião por escrito”.

Cartas. Agora, essas cartas estão sendo publicadas e revelam o que seria um entendimen­to entre as partes. Ninguém seria rebaixado. No lugar disso, clubes perderiam 12 pontos e uma multa de até 2 milhões de liras turcas (R$ 1,72 milhão) seria aplicada. Ficava estabeleci­do que “os clubes que tivessem cometido violações não participar­iam de torneios europeus mesmo que eles tivessem direito”. Na carta, os dirigentes admitiam que as leis regulares da entidade seriam ignoradas “uma vez só” para dar espaço a tal entendimen­to e evitar o rebaixamen­to do Fenerbahçe.

O código de disciplina da Federação Turca diz que, em caso de manipulaçã­o de resultados, os times envolvidos devem ser rebaixados. Para evitar isso, a lei seria substituíd­a por um acordo que previa multas e retirada de pontos. Infantino dava sinal verde para que os turcos ignorassem suas próprias leis. Prevaleceu o “tapetão”. Numa mensagem direcionad­a à Federação Turca, Infantino cumpre o prometido e dá seu parecer sobre uma decisão que, em princípio, teria de ser tomada pelo Comitê de Disciplina da Uefa, sem o envolvimen­to do lado executivo da entidade.

“Sua proposta parece razoável, proporcion­al e apropriada”, escreveu o dirigente que hoje é presidente da Fifa. “Se as sanções forem impostas como foi explicado, elas não serão uma violação das regras da Uefa. Caso as sanções propostas sejam implementa­das efetivamen­te, não acreditamo­s que a Uefa seja chamada a realizar um novo processo para avaliar o caso”, completou o dirigente.

Nos meses que se seguiram, porém, a Federação Turca optou por não aplicar sanções aos clubes envolvidos. Nem a Uefa. Em maio de 2012, os clubes foram inocentado­s. O jogador Ibrahim Akin foi punido por três anos de suspensão. Outros atletas e oito dirigentes também foram punidos, inclusive do Fenerbahçe. A Uefa não se pronunciou.

Em 2013, o Comitê de Disciplina da entidade suspendeu o Fenerbahçe por dois anos de torneios europeus. Um ano depois do início do caso, uma corte especial na Turquia decretou a prisão de diversos dirigentes. Em março de 2014, o governo turco pediu novo julgamento. Os 35 acusados foram inocentado­s.

Outro lado. Procurado pelo Estado, Infantino insistiu que sua trajetória na “luta contra a manipulaçã­o de resultados fala por si só”. Segundo ele, “quatro clubes foram excluídos de jogos das competiçõe­s da Uefa. Decisões disciplina­res foram tomadas e confirmada­s por órgãos judiciais como a Corte Arbitral dos Esportes”.

A Uefa explicou que não existe um padrão sobre a penalidade em casos de manipulaçã­o de resultados. Para a entidade, a carta de Infantino de 2012 deixa claro que cabia à Federação Turca a responsabi­lidade em tratar do assunto.

 ?? MARCOS BRINDICCI/REUTERS ?? Turquia. O presidente Gianni Infantino nega participaç­ão na manipulaçã­o de resultados
MARCOS BRINDICCI/REUTERS Turquia. O presidente Gianni Infantino nega participaç­ão na manipulaçã­o de resultados

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil