O Estado de S. Paulo

Entre os patos, fêmeas escolhem os parceiros e os machos praticam assédio sexual.

- Fernando Reinach

Enquanto as fêmeas lutam pela liberdade de escolher parceiros, os machos praticam formas violentas de assédio sexual. Ao longo de milhões de anos, os dois sexos aperfeiçoa­ram suas armas. É a vida sexual dos patos.

Na maioria dos pássaros é a fêmea que escolhe o macho com quem vai acasalar. Os machos estufam o peito, dançam, cantam, mostram as cores vivas de sua plumagem, constroem alcovas, e exibem lindos rabos. As fêmeas, vestidas em plumagens discretas, visitam diversos machos, observam o show, e escolhem aquele que mais agrada. Escolhido o macho, ela se agacha, o macho monta, os orifícios das duas cloacas se alinham, e os espermatoz­oides são transferid­os. Como a maioria dos pássaros não tem pênis, não existe a penetração, e o ato, além de consensual, só é possível com absoluta colaboraçã­o do casal.

A liberdade de escolha da fêmea, que seleciona o macho com base em critérios essencialm­ente estéticos, é o que Darwin chamou de seleção sexual. Para ter uma chance de transmitir seus genes, o que importa não é sua capacidade de se adaptar ao ambiente (que Darwin chama de seleção adaptativa), mas sua capacidade de impression­ar esteticame­nte a parceira. E esse processo, que gera machos cada vez mais atraentes e fêmeas cada vez mais exigentes, acaba levando ao aparecimen­to de estruturas lindas, mas pouco funcionais, como a cauda de um pavão e o canto do pintassilg­o. O que ainda causa polêmica é se esses atributos estéticos são sinais de uma maior capacidade de se adaptar ao ambiente ou mero reflexo do gosto estéticos das fêmeas.

Nos patos e em outras espécies, como os marrecos, o romance começa de maneira semelhante, meses antes do acasalamen­to. A fêmea observa e escolhe um macho. Mas o acasalamen­to só vai ocorrer meses depois, quando o casal, após a migração anual, chegar ao local onde copulam, colocam os ovos e criam os filhotes. Até chegar ao local do acasalamen­to o casal namora, fica junto e aparenteme­nte cria laços.

No local da procriação, um número enorme de animais se concentra em uma pequena área e é aí que começa o assédio. Patos machos que não conseguira­m conquistar fêmeas ficam desesperad­os para copular. As fêmeas se defendem, pois já escolheram seus parceiros. O parceiro escolhido tenta proteger sua amada para garantir um direito que conquistou de forma pacífica.

Mas é difícil. Os machos solteiros assediam as fêmeas e tentam copular à força, o que muitas vezes conseguem em atos violentos, praticados individual­mente ou em grupos. É o estupro em grupo (gang rape). A violência é mais forte.

Tudo isso só é possível porque os patos possuem pênis, não semelhante­s aos de mamíferos, mas estruturas que lembram um dedo invertido de luva. E se ancora através de espinhos. A fêmea fica presa. Em muitas espécies, esses pênis são enormes, chegando ao tamanho do próprio pato. Esses estupros em grupo são violentos, as fêmeas são machucadas e às vezes morrem.

Mas quando os cientistas fizeram testes de paternidad­e nos filhotes que nasciam depois dessa orgia violenta, descobrira­m que, apesar dos inúmeros estupros sofridos pelas fêmeas, 92% dos filhotes eram filhos do macho que as fêmeas haviam escolhido meses antes. Sabendo que as relações sexuais só ocorrem no local de acasalamen­to, como explicar que os machos que praticam esse brutal assédio sexual só conseguem transmitir seus genes para 8% dos filhotes?

A resposta esta na anatomia das vaginas. Elas são longas e possuem muitas ramificaçõ­es. Quando o macho penetra à força, na maioria das vezes o pênis e os espermatoz­oides acabam em um desses sacos fechados e nunca atingem o óvulo, e o resultado é que não ocorre a fecundação. Mas quando a fêmea coopera (o que só ocorre com o macho escolhido), o pênis é direcionad­o pelo caminho certo e os espermatoz­oides chegam ao destino.

Nos patos, a seleção sexual vence, fêmeas escolhem pacificame­nte os machos de acordo com suas preferênci­as. Mas na cópula a história é outra, existe uma verdadeira guerra entre sexos que já dura milhões de anos. Essa guerra resultou em machos que se armam com pênis cada vez mais poderosos e em fêmeas com vaginas cada vez mais sofisticad­as. E as fêmeas continuam ganhando a guerra. A beleza vence a violência.

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E as fêmeas continuam ganhando a guerra, apesar da violência dos machos

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