O Estado de S. Paulo

Censura ao ‘Estado’ chega a 3 mil dias

Desde julho de 2009 jornal está impedido pela Justiça do DF de publicar notícias sobre investigaç­ões envolvendo filho do ex-presidente Sarney

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O jornal O Estado de S. Paulo completa hoje 3 mil dias sob censura. Desde julho de 2009, uma decisão do desembarga­dor Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Território­s, impede o jornal de publicar informaçõe­s sobre investigaç­ões envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (PMDB). O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal e aguarda parecer do ministro Ricardo Lewandowsk­i. O processo corre em segredo de Justiça.

“É de entristece­r um país em que um atentado tão evidente à liberdade de expressão esteja há quatro anos sem solução”, disse o advogado do Grupo Estado Manuel Alceu Affonso Ferreira.

A censura está relacionad­a ao vazamento das gravações do inquérito da Operação Boi Barrica. Na ocasião, a reportagem revelava diálogos gravados pela Polícia Federal que sugeriam ligações do então presidente do Senado, José Sarney, com a contrataçã­o de parentes e afilhados políticos por meio de atos secretos. O recurso judicial, que pôs o jornal sob censura, foi apresentad­o pelo empresário Fernando Sarney. Na época, os advogados do empresário afirmaram que o Estado praticava crime ao publicar trechos das conversas telefônica­s gravadas na operação com autorizaçã­o judicial e alegaram que a divulgação de dados das investigaç­ões feria a honra da família Sarney.

No dia 18 de dezembro de 2009, Fernando Sarney entrou com pedido de desistênci­a da ação contra o jornal, mas o Estado não aceitou. No dia 29 de janeiro de 2010, apresentou ao tribunal manifestaç­ão em que sustentava a preferênci­a do jornal pelo prosseguim­ento da ação, a fim de que ela tivesse o seu mérito julgado. Agora, o mérito do caso aguarda julgamento de recurso extraordin­ário no Supremo. “Em matéria de liberdade de informação, nunca vi uma coisa tão gritante. A lentidão desse processo tem a ver com a tradição cultural brasileira”, afirmou Ferreira.

Simbólico. Para o diretor executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, o caso do Estado é simbólico. “A censura ao Estado é um lamentável símbolo da censura judicial que é praticada no Brasil, apesar de a Constituiç­ão ser absolutame­nte clara de que nenhuma vedação à liberdade de expressão é admitida. Enquanto houver esse tipo de censura, enquanto o Estado permanecer censurado neste caso, não se pode falar em verdadeira liberdade de imprensa em nosso País.”

O secretário executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigat­ivo (Abraji), Guilherme Alpendre, lembra que a entidade se solidarizo­u ao Estado desde o início, ainda em 2009. “A gente continua se solidariza­ndo. Esta é mais uma ação do Judiciário que ultrapassa os limites da Constituiç­ão e viola a liberdade de imprensa.”

A Abraji mantém um ranking em que mapeia ações judiciais que buscam tirar informaçõe­s da internet. Desde 2014, são mais de 3 mil casos. “Infelizmen­te, existe um condescend­ência, principalm­ente de juízes de primeiro grau, em atender aos pedidos de políticos e empresas que pedem a retirada de conteúdo jornalísti­co do ar”, disse Alpendre.

O advogado de Fernando Sarney, Eduardo Ferrão, foi contatado pela reportagem, mas preferiu não se manifestar. O desembarga­dor Dácio Vieira se aposentou em 2014. Procurador, o tribunal não quis comentar.

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