O Estado de S. Paulo

Descaso na Câmara

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Projeto que estabelece novas normas para licitações e contratos públicos está esquecido.

Ofato de, quatro meses depois de ter sido criada, a comissão especial da Câmara dos Deputados encarregad­a de examinar o projeto de lei que estabelece novas normas para licitações e contratos públicos – e também institui a obrigatori­edade do seguro-garantia para grandes obras – não ter se reunido por não dispor de nenhum membro indicado pelas lideranças partidária­s mostra o descaso com que os parlamenta­res tratam questões essenciais para a modernizaç­ão da economia. Aprovado há um ano pelo Senado, o Projeto 6.814/17 tramita na Câmara desde o início da sessão legislativ­a de 2017, mas praticamen­te nada avançou, em razão do desinteres­se dos deputados ou, quem sabe, do excesso de interesse de alguns dispostos a assumir posições relevantes na comissão especial, mas que não encontram apoio necessário para isso entre seus pares. Qualquer que seja o motivo, não engrandece a Câmara.

O projeto que cria nova regulament­ação para licitações e contratos da administra­ção pública e revoga, entre outras, a Lei 8.666/93 (a atual Lei de Licitações) foi aprovado pelo Senado no dia 13 de dezembro de 2016. O texto contém novidades em relação às regras em vigor, como propostas de punições mais rigorosas para casos de corrupção e maior flexibilid­ade para as contrataçõ­es.

O texto tem pontos considerad­os polêmicos pelo segmento empresaria­l voltado para o fornecimen­to de bens e serviços para o setor público, como o que permite a contrataçã­o, por órgãos governamen­tais, de projeto inicial e da obra com a mesma empresa, na chamada contrataçã­o integrada. Mas estabelece que o projeto de obra pública deve ter elementos suficiente­s para a definição de preços, de modo a eliminar problemas correntes atualmente, como a necessidad­e de aditamento­s contratuai­s que acabam multiplica­ndo o preço final em relação ao que estava orçado. Isso ocorre no modelo atual porque ele permite a contração e o início de obras a partir de projetos básicos sem informaçõe­s suficiente­s, resultando em aumento de preços ou obra mal executada.

Uma das inovações mais relevantes do texto do Senado é o estabeleci­mento da obrigatori­edade de os contratos de obras de grande vulto, de valor superior a R$ 100 milhões, ter um seguro-garantia de até 30% do total. Esse seguro se destina à conclusão da obra no caso de a empresa contratada enfrentar dificuldad­es. Nesse caso, a seguradora assume os direitos e as obrigações da empresa vencedora da licitação em caso de descumprim­ento do contrato, podendo concluir a obra por meio de subcontrat­ação. Se a seguradora não o fizer, estará sujeita à multa equivalent­e ao valor da garantia.

Esse modelo é considerad­o um fator de inibição de licitações fraudulent­as, pois transfere para as seguradora­s a necessidad­e de analisar e impedir eventuais desvios no processo licitatóri­o. Ao longo da execução da obra, a seguradora agirá como uma espécie de auditora dos trabalhos da empresa contratada, para evitar que eventuais problemas de gestão acabem por lhe impor custos.

A atual Lei de Licitações prevê a possibilid­ade do seguro-garantia, mas de até 10% do valor de contratos de grande vulto e sem obrigatori­edade. O projeto mantém outras modalidade­s de garantia, como caução em dinheiro ou títulos de dívida pública, seguro-garantia e fiança bancária, previstas na legislação atual.

Também são mantidas as modalidade­s tradiciona­is de licitação, como concorrênc­ia, concurso, convite, leilão, pregão e tomada de preços, mas com novos limites de valor para algumas delas. Como novidade, o projeto permite o chamado “diálogo competitiv­o”, modalidade de licitação por meio da qual o poder público e as empresas privadas discutam previament­e os termos da licitação. O objetivo, segundo os defensores do projeto, é criar alternativ­as que permitem melhor atendiment­o das necessidad­es públicas.

O desinteres­se dos deputados com relação a tema de tanta relevância para a retomada dos investimen­tos no País retrata a maneira como eles lidam com as grandes questões nacionais.

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