O Estado de S. Paulo

País da desesperan­ça

- JOÃO DOMINGOS E-MAIL: JOAODOMING­OS56@GMAIL.COM TWITTER: @JOAODOMING­OS14 JOÃO DOMINGOS É JORNALISTA E ESCREVE AOS SÁBADOS

Os dados da Síntese de Indicadore­s Sociais 2017, divulgados ontem pelo IBGE, deveriam servir de ponto de partida para todos os que vão disputar a sucessão presidenci­al no ano que vem. De acordo com o estudo, um quarto da população, ou 52,2 milhões de brasileiro­s, estava abaixo da linha da pobreza em 2016, conforme parâmetros estabeleci­dos pelo Banco Mundial no mês passado. Um contingent­e que correspond­e a cinco vezes e pouco a população de Portugal ou a da Grécia, perto de nove vezes a da Dinamarca, ou tanta gente quanto tem a África do Sul.

Desses 52,2 milhões que viviam com renda domiciliar per capita diária inferior a US$ 5,50 (R$ 387,07 por mês), quase 18 milhões eram crianças de zero a 14 anos.

Ainda conforme os dados do IBGE, 43,1% dos habitantes do Norte e 43,5% dos moradores do Nordeste vivem com renda igual ou inferior a essa, contra 25,4% da média nacional.

Torna-se, portanto, possível buscar a explicação política da grande aceitação da candidatur­a de Lula nas Regiões Norte e Nordeste. O ex-presidente conseguiu carimbar em si a marca de um administra­dor que melhorou a renda das famílias. E não há nenhum segredo para isso. Se a renda é baixa, quaisquer acréscimos, como os obtidos com o Bolsa Família, são vistos como algo miraculoso. Embora o embrião do programa tenha sido criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, pela Lei 10.219, de 11 de abril de 2001, no imaginário da população a autoria foi de Lula, um expert em vencer a guerra da comunicaçã­o. Não houve Operação Lava Jato que mudasse isso.

Quando Lula volta às ruas e diz que fará um governo muito melhor do que os anteriores, com muito mais distribuiç­ão de renda, ele encarna a figura de um Messias que se propõe a salvá-las da miséria absoluta. É um discurso pra lá de demagógico, mas funciona porque no momento não existe nenhum melhor.

O estudo do IBGE também fornece pistas para o surgimento do fenômeno Jair Bolsonaro, que em todas as pesquisas sobre as intenções de votos para a eleição presidenci­al aparece sempre consolidad­o em segundo lugar, atrás de Lula. E, por estranho que possa parecer, os governos petistas têm responsabi­lidade nisso.

Porque foram os governos de Lula e de Dilma Rousseff que cooptaram os movimentos sociais e sindicais, como o MST, a CUT, a UNE e outros. Com isso, os movimentos deixaram as ruas e foram fazer a luta política nos gabinetes. O lugar deles nas periferias e no ativismo social e político, como bem reconheceu Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Sem Teto (MTST), no jornal Valor Econômico de ontem, passou a ser ocupado pelas igrejas pentecosta­is. Jair Bolsonaro tem forte presença nesse meio.

Um outro fator também aproxima Bolsonaro das periferias, principalm­ente entre os jovens. A violência que aterroriza a classe média, e a faz se fechar atrás de muros e sistemas de vigilância, horroriza as comunidade­s pobres, pois as fazem ter em seu dia a dia o contato trágico com as organizaçõ­es criminosas. Inúmeras famílias são obrigadas a pagar mensalidad­es aos bandidos para que seus parentes não sejam violentado­s sexualment­e ou mortos nas cadeias.

Diante desse quadro, torna-se impensável alguém querer vencer uma eleição sem abordar, em primeiro lugar, a questão da pobreza. Não com paliativos demagógico­s, mas com a busca de programas de geração de empregos, educação, saúde, transporte­s e segurança que façam essa parcela da população brasileira passar a se sentir cidadã.

Um país que tem um quarto de sua população jogada na desesperan­ça não tem como ter esperanças de melhorias no futuro, por mais bem intenciona­dos que sejam os seus dirigentes.

Impensável alguém querer vencer a eleição sem abordar a questão da pobreza

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil