O Estado de S. Paulo

Os cães que não ladram

Concessões de May deixam calados os defensores d o Brexit

- / TRADUÇÃO DE CLÁUDIA BOZZO

Foi uma semana de altos e baixos para Theresa May. No dia 11, a premiê comemorava enquanto conservado­res pró e antiBrexit aplaudiam o acordo pelo qual ela garantira a primeira fase do divórcio entre a Grã-Bretanha e a União Europeia com base no Artigo 50. Mas, dois dias depois, preparando­se para ir a Bruxelas em busca da aprovação do acordo em uma reunião da UE, May sofreu sua primeira grande derrota no Parlamento, quando 11 parlamenta­res de seu partido juntaram-se à oposição para alterar o projeto de lei para a saída britânica.

May merece aplausos por fazer avançar o processo do Artigo 50. Mas a ruidosa aprovação pelos brexiters surpreende­u. May havia deixado vagos vários pontos do acordo. Ela aceitou um projeto de lei de saída mais abrangente que o pretendido. O compromiss­o sobre os futuros direitos dos cidadãos da UE na Grã-Bretanha deu ao Tribunal de Justiça Europeu (TJE) poder de decisão por oito anos após o Brexit. O compromiss­o para evitar uma “fronteira dura” entre as duas Irlandas implica alinhament­o total com a maioria das regras do mercado único. E Bruxelas insiste em que a transição compreende a aceitação de todas a leis da UE, mais as decisões do TJE.

Por que, então, os brexiters ficaram tão quietos? Uma resposta é que seu objetivo é simplesmen­te a data de 29 de março de 2019 para a concretiza­ção do Brexit. Eles temem que uma economia deteriorad­a ou mais problemas parlamenta­res possam afetar a transição. Após a derrota de May, o Daily Mail acusou os 11 parlamenta­res rebeldes de “puxarem o tapete” dos negociador­es britânicos. É exagero: embora a emenda deles dê aos parlamenta­res votos no acordo final do Brexit, se o Parlamento rejeitar o pacto a Grã-Bretanha pode acabar sem acordo nenhum. E temores de que o projeto ainda possa ser revertido estão deixando os brexiters calados, não importa quantas concessões May venha a fazer.

David Davis, secretário do Brexit, sugeriu que o compromiss­o do Artigo 50 pode ser anulado se um futuro acordo comercial for insatisfat­ório, pois “nada está estabeleci­do até que tudo esteja”. Michael Gove, secretário do Meio Ambiente, afirmou que os eleitores poderão mudar tudo de que não gostem no Brexit em futuras eleições. Tais comentário­s levaram a UE a endurecer nas negociaçõe­s sobre o alcance do acordo do Artigo 50.

Os brexisters ainda parecem acreditar que um acordo de livre-comércio feito sob medida com a UE será fácil de negociar. Liam Fox, secretário de Comércio Internacio­nal, falou de um acordo que é “virtualmen­te idêntico” ao atual. Negociador­es da UE deixaram claro que, se a Grã-Bretanha abandonar o mercado único e a união alfandegár­ia, não pode esperar um acordo de livre-comércio melhor que o do Canadá, que cobre quase todos os bens, mas muito pouco dos serviços. E os serviços respondem por 70% da economia britânica e 40% das exportaçõe­s.

Quanto à fronteira irlandesa, Davis afirmou que um alinhament­o total com as regras do mercado único é apenas uma alternativ­a para o caso de não se chegar a um acordo de comércio mais abrangente e acrescento­u que isso diz respeito apenas às regras relacionad­as ao Acordo da Sexta-feira Santa e à economia irlandesa e permitirá à GrãBretanh­a decidir a própria regulament­ação desde que ela seja mutuamente reconhecid­a.

Mas a Irlanda e a UE acreditam que o acordo signifique aquilo que diz: alinhament­o total com quase todas as regras do mercado único. A Comissão Europeia vai mais longe, dizendo que não vê como uma fronteira mais rigorosa possa ser evitada se o Reino Unido ficar fora do mercado único e da união alfandegár­ia. Mesmo alguns brexiters entendem assim. Martin Howe, advogado comercial pró-Brexit, queixa-se de que o acordo da primeira fase pode impedir o Reino Unido de fazer outros acordos comerciais, tornando-se um “Estado vassalo”.

Em suma, o acordo da fase um, especialme­nte o compromiss­o irlandês, aponta para um Brexit mais suave, que mantenha o Reino Unido estreitame­nte alinhado com o mercado único. Isso implica um futuro mais espelhado na Noruega do que no Canadá. Se tal situação ficar evidente, May pode esperar muito mais barulho dos brexiters.

 ?? JOHN THYS/AFP ?? Avanços. May aceitou projeto de lei de saída mais abrangente
JOHN THYS/AFP Avanços. May aceitou projeto de lei de saída mais abrangente

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil