O Estado de S. Paulo

Qual Lula?

- MARCELO RUBENS PAIVA BLOG: HTTP://BLOG.ESTADAO.COM/BLOG/ MARCELORUB­ENSPAIVA E-MAIL: MARCELO.RUBENS.PAIVA@ESTADAO.COM MARCELO RUBENS PAIVA ESCREVE AOS SÁBADOS

Lula se tornou candidato para 2018. Lidera pesquisas, vê a taxa de rejeição diminuir, percorre o Brasil em campanha. Tem experiênci­a de sobra, e pode até se tornar voto útil. Se conseguir ir para a cédula, tiver um julgamento justo, e continuarm­os o sistema presidenci­alista, em qual Lula o eleitor votará?

No líder sindical que, nos anos 1970, desafiou o regime militar, uniu trabalhado­res, não se intimidou com rasantes de helicópter­os do Exército em assembleia­s, recusou a colaboraçã­o da esquerda organizada, foi preso, submetido a humilhaçõe­s e projetado à liderança contra a ditadura?

Ou o agregador do começo dos anos 1980, que fundou um partido sem a tutela dos comunistas, agora sim, com a esquerda organizada, estudantil, acadêmica, artistas e independen­tes? Recusava-se a fazer alianças com a discordânc­ia e aceitar dinheiro de empresas – o partido financiado pela militância e detentores de cargos do Legislativ­o, que doavam parcela dos salários.

Seria o Lula que iniciou a campanha das Diretas Já, ou o que expulsou deputados que votaram indiretame­nte em Tancredo Neves? O que participou ativamente da Constituin­te, ou o que votou contra a Constituiç­ão de 1988?

Seria o “sapo barbudo” que conseguiu a façanha de unir PDT (Brizola), PSDB (Mário Covas, FHC, Serra) e PMDB (Ulisses Guimarães), numa chapa única contra Collor no segundo turno de 1989, ou o que liderou a bancada a votar contra o Plano Real?

Seria o Lula contra as privatizaç­ões ou plugado nas transforma­ções da economia globalizad­a? A favor de alguma reforma da Previdênci­a? Fecharia os olhos para a arrecadaçã­o de campanha recorde, engolindo caixas 2 de empreiteir­as e frigorífic­os, costurando alianças frankenste­ins com adversário­s, abandonand­o de vez a pureza (inocência) do projeto político, ou manteria a essência do seu partido?

Seria o Lulinha paz & amor, que subiria no palanque com desafetos históricos, “marionetes da ditadura”, como dizia Brizola, em paz com ruralistas, setores conservado­res, empresaria­do, e seguisse a cartilha do FMI, item por item? Distribuir­ia renda em programas sociais, isentando de impostos produtos populares, como material de construção e bens domésticos da linha branca?

Elevaria de novo o PIB industrial em 10% num ano, ou levaria o País à bancarrota, como a sucessora? Seria “o cara” listado para o Nobel, ou o acusado de se apropriar de esquemas de corrupção anteriores, como o Mensalão Mineiro, para garantir governabil­idade, aumentar a porcentage­m da propina, inflaciona­r a marketagem política?

Instalaria na Petrobrás uma rede de corrupção bilionária, dividida em partidos aliados, como é acusado, venderia medidas provisória­s a setores da indústria, ou seria o Lula que mudou o Nordeste, que entende por experiênci­a própria dos problemas do Brasil profundo, aumentou a renda da família, o emprego, criou uma atmosfera de liberdade e respeito às minorias e aos direitos fundamenta­is, para contrastar com o retrocesso atual na área de direitos humanos, ou aquele que vislumbrou a expulsão do correspond­ente do New York Times?

Seria o Lula que desprezari­a a crise mundial de 2008, chamando de marolinha, colocando o pé no acelerador e o BNDES a serviço de grandes empreendim­entos corruptore­s, num ideal perverso de campeãs nacionais financiado­ras de campanhas políticas, expandindo a fronteira agrícola por sobre a Amazônia, exigindo uma quantidade escandalos­a de dinheiro em troca de influência, acusação que chocou o País, derrubou a sucessora e quebrou a economia, levando junto a credibilid­ade de instituiçõ­es democrátic­as e da nova esquerda mundial?

O cronômetro foi ligado. O caminho de Lula é tumultuado e conhecido. Foi condenado por Sérgio Moro a nove anos e seis meses de prisão por conta do triplex do Guarujá. Ainda enfrenta outros processos. A confirmaçã­o da condenação viria pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região.

Recesso. Entramos em 2018. O TRF4 marcou o julgamento para final de janeiro. Se algum desembarga­dor pedir visto, julgamento adiado. Logo depois, carnaval.

Se decidirem pela unanimidad­e, a defesa ingressa com embargos declaratór­ios. Se não for uma decisão unânime, a defesa entra com embargos infringent­es ou nulidade. O réu escaparia da condenação em segunda instância e do filtro da Ficha Limpa?

Prazos vão empurrando a ação. A campanha corre, alianças são amarradas, perdões oferecidos. A defesa pode ainda entrar com medidas cautelares, habeas corpus ou mandado de segurança no STF. Lula ficaria em liberdade para concorrer à eleição, assistir à Copa do Mundo da Rússia e tocar a campanha?

Se condenado, a defesa entra com recurso especial junto ao STJ (cerceament­o da defesa) e recurso extraordin­ário junto ao STF (violação da Constituiç­ão). Um pedido de vista de um ministro tornaria outro pedido de perder de vista e trancaria a pauta.

Muda a presidênci­a do TSE. Sai o ilógico aliado do Jaburu, Gilmar Mendes, e entra o independen­te pero no mucho Luiz Fux.

“Daqui a um ano, o político mais popular do Brasil deve estar dormindo em um desses dois lugares: no conforto atrás dos portões do palácio presidenci­al ou em uma pequena cama atrás das grade”, escreveu sem papas na língua para o Washington Post, Marina Lopes, que também cobre política brasileira para BBC, NBC, PPS e Chicago Tribune.

Se ganhar a eleição em outubro, teria ainda alguns meses para ser diplomado. Novembro e dezembro seriam tensos. A reação de parte da opinião pública, imprevisív­el. Em janeiro de 2019, diplomado presidente, não é mais tocado. Estaria livre para governar.

Certeza, uma só: o Lula eleito seria o Lula de sempre, contraditó­rio e indefiníve­l. Que já combateu e sustentou a banda podre do empresaria­do e da política nacional. Se não puder concorrer, indica outro poste, já inflado pela campanha. Um judeu com sotaque baiano.

O cronômetro foi ligado. O caminho é tumultuado e conhecido

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