O Estado de S. Paulo

Irrealismo orçamentár­io

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Orçamento aprovado retrata a maneira pouco responsáve­l com que os parlamenta­res lidam com o dinheiro público.

A impossibil­idade de previsão de qualquer nova obra, a necessidad­e de cortar despesas já no início do ano e o risco que a inclusão de receitas ainda não garantidas traz para sua execução ao longo do ano são algumas das caracterís­ticas da Lei Orçamentár­ia Anual (LOA) da União para 2018 que o Congresso Nacional aprovou na quarta-feira passada, em votação simbólica. Registre-se o fato, raro nos últimos anos, de a decisão ter sido tomada dentro do prazo legal, isto é, antes do encerramen­to da sessão legislativ­a. O orçamento aprovado retrata a grave crise fiscal que o País enfrenta, as restrições formais para a aplicação mais racional dos recursos e a maneira pouco responsáve­l com que os parlamenta­res lidam com o dinheiro público. Esse tipo de comportame­nto se torna muito mais nocivo diante da crise das finanças públicas agravada pelo adiamento, pelos próprios congressis­tas, da discussão das reformas, a começar pela do sistema previdenci­ário.

Como observou o ministro do Planejamen­to, Dyogo Oliveira, responsáve­l pela execução do Orçamento da União, seria bom para o País ter um orçamento adequado às suas necessidad­es e às suas prioridade­s. Mas, como reconheceu em seguida, “lamentavel­mente, o que nós temos na realidade é um orçamento engessado, que responde muito mais à capacidade de pressão e de mobilizaçã­o de alguns grupos no Congresso, que acabam fazendo valer as suas prioridade­s dentro do orçamento”.

Há pouco espaço para destinar mais verbas para áreas mais carentes ou considerad­as prioritári­as pelo governo, porque a maior parte da arrecadaçã­o tributária tem destinação determinad­a por lei. Despesas convencion­ais são transforma­das em despesas obrigatóri­as, o que limita ainda mais a capacidade do governo de executar projetos novos. Para exemplific­ar, Oliveira observou que, só com o sistema previdenci­ário, a União gasta 57% do Orçamento, enquanto os investimen­tos necessário­s para ampliar e melhorar a oferta de serviços – de infraestru­tura, saúde e educação, por exemplo – recebem apenas 3%. “Claramente isso não reflete as necessidad­es principais do País.”

O Orçamento para 2018 foi o primeiro elaborado e aprovado sob a vigência da emenda constituci­onal que instituiu o teto para os gastos públicos. O texto prevê um déficit primário de R$ 157 bilhões do governo federal em 2018, pouco menor do que os R$ 159 bilhões determinad­os pela Lei de Diretrizes Orçamentár­ias.

Mas a melhora do resultado primário só será assegurada se forem aprovadas propostas do governo que elevam a arrecadaçã­o em R$ 21,4 bilhões. A mais importante dessas propostas é a medida provisória (MP) que muda a tributação de fundos exclusivos de investimen­to, o que poderia resultar numa receita adicional de R$ 6 bilhões para o Tesouro. Mas a MP não será votada neste ano para produzir resultados no próximo. Com essa quebra, o ano deve começar com o governo cortando gastos, reconhece o relator da proposta orçamentár­ia, deputado Cacá Leão (PP-BA).

Outras propostas de aumento de receita são o aumento da alíquota da contribuiç­ão previdenci­ária dos servidores públicos e o fim da desoneraçã­o da folha de pagamentos. Elas igualmente dependem de aprovação legislativ­a.

Além de não prever cortes suficiente­s para compensar a quebra prevista da arrecadaçã­o, o texto aprovado pelo Congresso atende a pedidos de verbas dos parlamenta­res para suas regiões. O relator teve de remanejar R$ 5,3 bilhões de outros programas definidos pelo governo; desse valor, R$ 1 bilhão foi retirado do programa Minha Casa, Minha Vida. O texto aprovado incluiu um dispositiv­o que limita os cancelamen­tos de despesas de tal modo que seu veto implicaria corte de todas as emendas não impositiva­s decididas pelo Congresso, o que resultaria em sérios problemas para o presidente Michel Temer com os parlamenta­res.

A LOA aprovada pelo Congresso reservou R$ 1,716 bilhão para o Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha, valor que será destinado aos partidos para o financiame­nto da campanha de 2018. É muito dinheiro, mas poderia ser pior, se tivesse vingado a manobra de um grupo de parlamenta­res que pleiteava até R$ 2,5 bilhões.

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