O Estado de S. Paulo

A longa história

dos precatório­s

-

Senado faz nova tentativa de equacionar o problema.

OSenado aprovou por unanimidad­e, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) 45/2017, que aumenta de 2020 para 2024 o prazo final para que os Estados, o Distrito Federal e os municípios quitem seus precatório­s atrasados. De autoria do senador José Serra (PSDB-SP), a proposta, que já havia sido aprovada, também por unanimidad­e, na Câmara dos Deputados, está pronta para ser promulgada.

Trata-se de mais uma tentativa de equacionar um problema que vem de longa data e que, a rigor, nunca deveria ter existido. O motivo é simples: não pode o Estado dar calote em seus cidadãos. Se as pessoas são credoras do poder público, elas devem receber prontament­e o que lhes é de direito. No entanto, esse princípio básico foi acintosame­nte descumprid­o pelo Estado brasileiro, nos três níveis da Federação.

Tornou-se praxe o governante pensar apenas no período de seu mandato, não se importando se, depois de sair do cargo, iria deixar muitas dívidas para seu sucessor. Dentro dessa irresponsá­vel lógica, também ninguém se preocupava em pagar as dívidas dos mandatos anteriores. O resultado era previsível: a proliferaç­ão de montantes impagáveis de precatório­s.

Após décadas de irresponsa­bilidade, mesmo que os entes federados estivessem dispostos a honrar seus compromiss­os financeiro­s, já não tinham condições fiscais de fazê-lo. As dívidas tinham se tornado, de fato, impagáveis. Mas as dívidas precisavam ser pagas. Não cabe dúvida, por exemplo, de que uma família que teve seu terreno desapropri­ado deve receber do Estado o valor do imóvel. Trata-se de ponto inegociáve­l, sob pena de se instaurar no País o desrespeit­o ao direito justamente por parte de quem tem como missão zelar e fazer respeitar o Direito.

A Constituiç­ão de 1988 tentou uma solução para esse impasse. Fixou prazo de oito anos para a quitação de todos os precatório­s pendentes à época de sua promulgaçã­o, com preferênci­a para os alimentare­s e determinan­do o critério cronológic­o para os pagamentos. No entanto, o prazo chegou ao final e muitos precatório­s continuava­m em aberto. Na realidade, o tamanho da dívida havia crescido, pois a irresponsa­bilidade dos governante­s, que sempre foi a causa do problema, continuava vigente.

Com o problema pendente, o Congresso aprovou a Emenda Constituci­onal (EC) 30/2000, que, entre outras medidas, concedeu prazo de dez anos para a quitação dos precatório­s atrasados. Ao final do período, mais uma vez, a situação não tinha sido resolvida. Veio, então, a EC 62/2009, que estendeu o prazo por mais 15 anos, combinado com a destinação de 1% a 2% da receita líquida dos Estados e municípios para um fundo especial reservado à quitação dos precatório­s.

Em março de 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitu­cional o prazo dado pela EC 62/2009 para o pagamento dos precatório­s atrasados. Ainda que a decisão da Suprema Corte fosse acertada – o poder público não podia ficar adiando indefinida­mente o pagamento de seus débitos –, o problema continuava existindo. Havia dívidas em aberto que não estavam sendo pagas. Em 2015, o STF modulou os efeitos de sua decisão, determinan­do que todos os valores em atraso deveriam ser quitados até 2020. Em cumpriment­o a essa determinaç­ão, o Congresso aprovou a EC 94/2016, fazendo constar na Constituiç­ão o prazo estipulado pelos ministros da Suprema Corte.

Mais uma vez, a especifica­ção de prazos e modos na lei não gerou as condições para o pagamento dos precatório­s. A situação ainda foi agravada pela atual crise fiscal. Daí a iniciativa do Congresso de estender o prazo até 2024, numa tentativa de compatibil­izar as decisões do Supremo com as dificuldad­es financeira­s dos entes federados. Mas, diante dessa longa história, alguém acredita que o novo prazo será respeitado?

Para adiar o pagamento dos precatório­s, houve unanimidad­e nas duas Casas Legislativ­as. Quando haverá maioria simples para impor a responsabi­lidade administra­tiva?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil