A praga dos pancadões
Há muito os chamados pancadões – carros com aparelhos de som ligados no último volume estacionados em vias públicas – se transformaram em mais um daqueles problemas dos quais os paulistanos não conseguem se livrar, apesar das promessas e mesmo de algum esforço das autoridades. Tão certos como as chuvas e as inundações, ou bloqueio de ruas e avenidas por qualquer grupo mais aguerrido e afoito a pretexto de “manifestações” que paralisam a circulação em horários críticos – para citar apenas dois outros exemplos –, os pancadões entraram na rotina dos castigos infligidos à população.
São em média 102 denúncias por dia de pancadões – ou de bares que funcionam irregularmente com música alta e frequentadores que tomam conta das ruas e produzem o mesmo efeito –, que infernizam a vida dos paulistanos, tirando-lhes o sono principalmente nos fins de semana, como mostra reportagem do Estado, com base em dados da Polícia Militar (PM) e da Prefeitura. Os pancadões e aqueles bares estão hoje presentes em toda a cidade. Uns mais, outros menos, é difícil encontrar um bairro que não sofra com o barulho infernal que eles produzem.
Esse tipo de sofrimento se democratizou, não conhece barreiras econômicas e sociais. Tanto na Cidade Tiradentes, na periferia, como na Rua Peixoto Gomide, próximo da Rua Augusta, na região central, a barulheira e o consumo de bebida e de drogas nas ruas, madrugada adentro, são os mesmos. Quanto ao crescimento das ocorrências, dados da PM indicam dois exemplos – o do 45.º Batalhão (Mooca) e o do 23.º Batalhão (Itaim-Bibi) – em que o número de denúncias contra pancadões e bares que cometem irregularidades, especialmente no funcionamento após 1 hora da madrugada, quadruplicou desde 2014.
Resolver o problema não é fácil, a julgar pelo fato de ele vir se agravando. Só neste ano, a PM já realizou 2,8 mil operações contra pancadões e bares, que resultaram na prisão de 400 pessoas e na remoção de 1,2 mil veículos. Além disso, há ações destinadas a evitar ocorrências, com base em levantamento dos locais de maior incidência daquele tipo de abuso – na periferia e nas imediações de faculdades –, onde o patrulhamento por viaturas de polícia é mais intenso.
Um exemplo da dificuldade enfrentada tanto pela PM como pelos fiscais da Prefeitura é o da Rua Peixoto Gomide, que já há alguns anos se transformou numa minicracolândia, situada em bairro de classe média e perto de hospitais importantes, onde o problema do barulho se agrava pela grande frequência de menores de idade que consomem bebidas alcoólicas e drogas. O prefeito regional da Sé, Eduardo Odloak, resume bem o que ocorre ali: “Tem muito barzinho e já fechamos vários. Fazemos operação toda sexta e sábado, com a polícia, mas não tem jeito. Como a molecada fica no entorno, é só sair de lá que eles voltam”.
Uma solução tem de ser encontrada, porque é inadmissível que os pancadões e os bares que insistem em desrespeitar as regras a que estão sujeitos continuem a se espalhar por toda a cidade. Não se pode tolerar que o direito ao sossego dos paulistanos – depois do trabalho e nos dias de descanso do fim de semana – seja pisoteado por uma minoria que acha que pode se divertir à custa dos outros.
Em 2015, malogrou uma tentativa de disciplinar os pancadões, com o estabelecimento de horários de funcionamento e controle do acesso de público, com base em plano acertado entre a Prefeitura e o governo do Estado. Em consequência, como mostra a reportagem, a situação piorou. O que tem sido feito está longe do necessário. Como já existem os meios legais para acabar com os abusos, a solução é a apontada pelo promotor de Justiça da Infância e Juventude Eduardo Dias de Souza Ferreira: tornar mais ampla e rígida a fiscalização. E para isso é fundamental manter a cooperação já estabelecida nesse terreno entre a PM e os fiscais da Prefeitura.