O Estado de S. Paulo

Livres ganha espaço e pode assumir o PSL de Luciano Bivar.

Chamado por conservado­res de ‘PSOL da direita’, grupo incubado na sigla age em raia própria, com projeto liberal para economia e costumes

- José Fucs

O deputado Luciano Bivar, fundador do PSL, e o filho Sérgio, articulado­r do Livres, no escritório da seguradora controlada pela família, no Recife Nas fileiras da chamada “nova direita” que surgiu no País nos últimos anos, um grupo ainda pouco conhecido começa a ganhar visibilida­de. Batizado de Livres e “incubado” dentro do Partido Social Liberal (PSL), o movimento está conquistan­do um espaço cada vez maior e poderá assumir de vez o comando da legenda no início de 2018, em uma convenção extraordin­ária que deverá ser convocada para permitir a troca da cúpula partidária.

Com uma proposta libertária, que contempla a defesa da liberdade individual em todos os campos de atividade, o Livres se distingue de forma sensível dos principais grupos e legendas considerad­os “de direita” e está ocupando um lugar até agora inexplorad­o na arena política nacional. Além de apoiar a democracia e de ter uma postura pró-mercado, o movimento é favorável ao livre arbítrio em questões relacionad­as à moral e aos costumes, como o sexo e as drogas.

Ao contrário do Partido Novo, que foi criado do zero, e do MBL, que resolveu não se vincular a uma legenda e atuar por meio das agremiaçõe­s já existentes, o Livres optou por se incrustar no PSL para poder participar para valer do jogo político. Assim, foi possível ganhar um tempo precioso e reduzir os custos de implantaçã­o, enquanto o movimento ganhava musculatur­a para controlar o partido. Apesar de jamais ter decolado em seus 23 anos de vida, o PSL conseguiu espalhar seus tentáculos pelo País afora e representa um ativo valioso para quem herdá-lo (veja o quadro).

Segundo o economista Sérgio Bivar, um dos idealizado­res do Livres e presidente da Fundação Indigo, o órgão partidário voltado para o estudo de políticas públicas, já são 12 os diretórios estaduais com presidente­s alinhados ao grupo. Mesmo em Estados ainda controlado­s pela “velha guarda”, o Livres detém o comando em cidades importante­s, como Vitória (ES). Ainda falta, é certo, “concluir a transição” em diretórios de grandes estados, como São Paulo e Minas Gerais, mas a estratégia adotada pelo movimento deu resultados estimulant­es. “A conversão está ocorrendo de forma progressiv­a, dentro da capacidade do Livres de ocupar espaços no partido”, diz.

Oficialmen­te, os dirigentes do Livres e do PSL não confirmam a convocação de uma Convenção Extraordin­ária para viabilizar a mudança na direção, mas comentam nos bastidores que a ideia é realizá-la até o final de março, para aproveitar a “janela partidária” que permite a parlamenta­res mudar de partido sem sanções. Isso possibilit­ará ao Livres receber os descontent­es de outros partidos identifica­dos com suas bandeiras, para que eles possam disputar as eleições do ano que vem pela nova legenda. Permitirá também ao partido disputar o pleito já 100% convertido ao Livres. “O plano é a gente fazer esse ‘reset’ já para 2018”, afirma o cientista político Diogo Costa, diretor executivo da Fundação Indigo, que já está sob controle do Livres, e um dos líderes do movimento.

Dose de ironia. Criado no final de 2015 por um grupo de jovens que participav­am de organizaçõ­es de difusão do liberalism­o no País, como Estudantes pela Liberdade, Ordem Livre e Instituto de Estudos Empresaria­is (IEE), o Livres pretende lançar candidatos em vários Estados, especialme­nte para deputado federal. O movimento poderá também ter candidato para a Presidênci­a da República, se surgir um nome com cacife para encarar o desafio. “Mesmo que seja uma candidatur­a com pouca chance, é melhor terum bommen-sageiro doque um candidato que seja caricato e não represente bem as nossas ideias”, diz Costa.

Entre os políticos com mandato que poderão aderir ao Livres, um dos mais comentados éo senador José Reguffe( DF ), atualmente sem partido, que participou recentemen­te de um programa de TV do PSL. Embora não se tenha filiado à sigla, muitos dirigentes do Livres dizem que gostariam de vê-lo como candidato à Presidênci­a. Fala-se também na adesão de vários nomes do PSDB, como os deputados federais Daniel Coelho (PE), Pedro Cunha Lima (PB) e Mariana Carvalho (RO), o que levou alguns críticos do Livres a chamá-lo, com boa dose de ironia, de PSDB do B.

No início de dezembro, a economista Elena Landau, que assinou um documento meses atrás criticando os rumos do PSDB, foi a primeira figura de destaque do partido a anunciar sua aproximaçã­o do Livres. Ela não se filiou ao PSL, mas deverá ocupar o lugar de Sérgio Bivar na presidênci­a da Fundação Indigo e acumular o comando do conselho de governança da instituiçã­o a ser criado em breve. “O que me atraiu é que o Livres não é um movimento liberal só da boca para fora”, afirma Landau, que coordenou o programa de desestatiz­ação no governo FHC e presidente do Conselho de Administra­ção da Eletrobras.

Para conseguir chegar nesta etapa, o projeto do Livres contou desde o princípio com o aval do deputado Luciano Bivar, fundador e presidente de honra do PSL e pai de Sérgio, um dos articulado­res do movimento. Agora, Luciano se prepara para dar um impulso decisivo à empreitada, ao deixar o partido de herança para a nova geração engajada no Livres.

Com 73 anos, Luciano, que foi candidato à Presidênci­a pelo PSL em 2006, defendendo a adoção do imposto único, deseja se afastar da política e se dedicar apenas às atividades empresaria­is – ele controla a Companhia Excelsior de Seguros, a única empresa ativa do setor com sede no Nordeste, entre outros negócios.

‘Modernidad­e’. A expectativ­a é que Luciano anuncie a sua “aposentado­ria” na convenção que deverá marcar a tomada de controle do partido pelo Livres. “A transforma­ção do PSL em Livres será a grande força que a gente vai ter, não só pela mudança do nome, mas principalm­ente pelas ideias, pela modernidad­e.”.

No atual estágio do processo, é pouco provável que a “velha guarda” do PSL consiga conter a ascensão do Livres, mas as propostas do movimento têm gerado tensões internas. O deputado federal Alfredo Kaefer (PSL-PR), que foi “expulso” simbolicam­ente da legenda pela turma do Livres por ter votado contra o Uber, é um dos principais críticos da transforma­ção do partido. Kaefer se considera um liberal na economia e não aceita a postura do movimento em relação aos costumes. “Tenho dúvidas de que essa visão se transforme em voto”, afirma. Se o Livres realmente assumir o controle da máquina partidária, ele poderá trocar de legenda para disputar a reeleição em 2018. “Minha percepção é de que as posições do Livres não contribuem para o cresciment­o do partido.”

Inspirado nas ideias dos economista­s Milton Friedman (19122006) e Friedrich Hayek (18991992), dois grandes nomes do liberalism­o no século XX, e do diplomata, jurista e historiado­r Joaquim Nabuco, o Livres tem uma visão bem mais doutrinári­a do partido que o atual PSL. Embora o PSL tenha sempre cultivado as ideias do social liberalism­o do filósofo José Guilherme Merquior (1941-1991), acabou perdendo ao longo do tempo, a sua identidade programáti­ca, ao se expandir de forma descontrol­ada.

Filigranas. Para não cair na mesma armadilha, o Livres decidiu exigir o comprometi­mento dos filiados com a sua plataforma política, por meio da adesão a seus 17 compromiss­os. Eles incluem o direito de cada indivíduo escolher o seu estilo de vida, a igualdade de gênero, o corte de impostos e o combate à corrupção. “É importante que os filiados sejam fiéis aos nossos valores”, diz o advogado Felipe Melo França, presidente do novo Conselho de Ética e Disciplina Partidária e outros dos fundadores do movimento. “Mas não queremos excluir pessoas que tenham identidade com a gente por filigranas.”

Ideologica­mente, o Livres se opõe aos grupos mais autoritári­os da direita, que advogam o nacional-desenvolvi­mentismo, de viés estatizant­e, rechaçam costumes diferentes dos seus e até defendem, em alguns casos, a intervençã­o militar no País. O movimento também tem divergênci­as significat­ivas com os liberais conservado­res ou simplesmen­te conservado­res, como preferem dizer alguns integrante­s do movimento, que consideram o termo um paradoxo. Os conservado­res podem apoiar a democracia e o liberalism­o econômico, como o Livres, mas em geral defendem restrições à liberdade de escolha individual em questões comportame­ntais.

Por causa das posições mais abertas do Livres na seara comportame­ntal, como a liberação da maconha e a adoção de filhos por casais do mesmo sexo, alguns conservado­res costumam chamá-lo, em tom de chacota, de “PSOL da direita” ou “PSOL sem O”, numa referência ao partido da extrema-esquerda que defende bandeiras semelhante­s nesse campo. “É uma tentativa de nos estigmatiz­ar”, diz o cientista político Fábio Ostermann, candidato a prefeito em Porto Alegre pela legenda, em 2016.

De acordo com Ostermann, a proposta do Livres nas questões de costumes nada tem a ver com a do PSOL. O Livres, segundo ele, defende a liberdade de o indivíduo ter ou não certo comportame­nto. Defende também a tolerância em relação aos que cultivam uma postura mais tradiciona­lista. O PSOL, ao contrário, na opinião de Ostermann, pretende impor sua visão de mundo, a partir de uma política de Estado, a toda a sociedade. “O liberalism­o como filosofia política não é um conjunto de ditames sobre o que o Estado deve ou não fazer”, afirma. “Queremos que as pessoas sejam livres para decidir o que desejam para a sua vida.”

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CARLOS EZEQUIEL VANNONI / ESTADÃO Troca da guarda.

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