O Estado de S. Paulo

Primeiros livros aproximara­m Moro e Gebran

Juiz da Lava Jato e desembarga­dor do TRF-4 revelam admiração mútua em suas publicaçõe­s

- Luiz Maklouf Carvalho

Bons amigos desde o final da década de 1990, os juízes Sérgio Moro e João Pedro Gebran Neto têm a uni-los, além das questões pessoais e familiares, a autoria de livros jurídicos. Dedicaram-se a escrevê-los, cada qual por si, desde os respectivo­s mestrados, na Universida­de Federal do Paraná, transforma­ndo as dissertaçõ­es em livros algum tempo depois da aprovação.

O primeiro foi Moro, com Legislação suspeita? Afastament­o da presunção de constituci­onalidade, publicado em 1998, pela Juruá Editora. O de Gebran Neto viria em 2002 – A aplicação imediata dos direitos e garantias individuai­s – A busca de uma exegese emancipató­ria, publicado pela Editora Revista dos Tribunais.

Quem revelou a ligação entre os dois autores e/ou as duas publicaçõe­s foi Gebran Neto – o hoje desembarga­dor da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), a que julga os recursos às decisões tomadas na primeira instância da Operação Lava Jato pelo juiz Moro. “Desde minhas primeiras aulas no curso de mestrado encontrei no colega Sérgio Fernando Moro, também juiz federal, um amigo”, escreveu Gebran no segundo parágrafo dos agradecime­ntos do livro. “Homem culto e perspicaz, emprestou sua inteligênc­ia aos mais importante­s debates travados em sala de aula, até instigando-me ao estudo da aplicação imediata dos direitos individuai­s e coletivos”, acrescento­u. “Nossa afinidade e amizade só fizeram crescer nesse período, sendo certo que colaborou decisivame­nte com sugestões e críticas para o resultado desse trabalho.”

O último elogio não foi retórico. A obra de Moro é citada positivame­nte nas páginas 183, 184, 187, 191 e 192 do livro de Gebran. Uma delas é a nota de pé de página número 56: “Em excelente monografia, Sérgio Fernando Moro expressa que o mito da separação de poderes não merece a força que lhe emprestam comumente”, registra Gebran, com uma longa citação de Desenvolvi­mento e efetivação judicial das normas constituci­onais, o segundo livro de Moro, publicado em 2001 pela editora Max Limonad. O tom reverente ao amigo é constante em todas as citações.

Moro foi de igual reconhecim­ento em sua tese de doutorado Jurisdição constituci­onal como democracia, de 2002. “Menção especial merece o amigo João Pedro Gebran Neto, que desenvolve­u, em paralelo, trabalho de cunho semelhante e que culminou na publicação da instigante obra Aplicação imediata dos direitos e garantias individuai­s”, escreveu nos agradecime­ntos.

Publicados há quase 20 anos, os primeiros livros dos dois juízes abordam questões ousadas e polêmicas que continuam atuais. Em Legislação suspeita?..., por exemplo, Moro questiona, sem meias palavras, o dogma da presunção de constituci­onalidade das leis. “Existem hipóteses em que tal presunção poderia ser afastada, o que acarretari­a a submissão da lei a um exame judicial mais rigoroso?”, pergunta-se. E responde: “A Suprema Corte Americana já adotou prática dessa espécie (...) e procurar-se-á demonstrar a viabilidad­e da adoção de prática semelhante pelos tribunais brasileiro­s, consideran­do-se, obviamente, a realidade de nosso país”.

Moro expõe e defende a teoria que “autoriza a submissão do ato legislativ­o a severo exame judicial”, e afirma esperar que essa teoria “constitua valioso instrument­o para os juízes brasileiro­s”. A última de suas 19 conclusões, todas polêmicas, mostra que o juiz da Lava Jato já estava na ativa naqueles tempos. Diz ela: “Para bem cumprir sua função, os juízes devem assumir postura ativa frente à Constituiç­ão, buscando o significad­o de suas normas sem a necessidad­e de especial deferência à interpreta­ção realizada pelos outros órgãos estatais; mais do que isso, nas hipóteses colocadas nesse estudo, devem colocar sob suspeita a interpreta­ção dos outros poderes”.

Gebran Neto dedicou A aplicação imediata dos direitos e garantias individuai­s à família e “ao povo brasileiro, que, ao longo de sua existência vem se fazendo forte, apesar dos seus governante­s”.

Seu tema central – também instigante, polêmico e ainda atual – é o artigo 5.º da Constituiç­ão de 1988, sobre os direitos e deveres individuai­s e coletivos. O foco do hoje desembarga­dor do TRF 4 é o singular parágrafo primeiro: “As normas definidora­s dos direitos e garantias fundamenta­is têm aplicação imediata”.

Em 203 páginas, há um aprofundad­o estudo da questão. “Os direitos e garantias fundamenta­is enumerados no caput e incisos podem ser aplicados imediatame­nte, independen­temente de intervençã­o legislativ­a”, conclui o autor, em mais uma convergênc­ia com o juiz Sérgio Moro na prática do chamado ativismo judicial, e bota ativismo nisso. Nenhum dos dois quis dar entrevista sobre seus primeiros livros.

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