O Estado de S. Paulo

Erro de cálculo

- VERA MAGALHÃES E-MAIL: VERA.MAGALHAES@ESTADAO.COM TWITTER: @VERAMAGALH­AES POLITICA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/VERA-MAGALHAES/

Oadiamento da votação da reforma da Previdênci­a não mostra só a impossibil­idade de o atual Congresso desempenha­r um papel minimament­e responsáve­l. Isso já se sabia. O mais assustador é a completa falta de cálculo político por parte dos congressis­tas, incapazes da aritmética eleitoral mais comezinha.

Deveria ser óbvio para parlamenta­res da chamada base aliada que é melhor pedir votos para a sua reeleição num país com cresciment­o mais acelerado, uma retomada mais consistent­e do emprego e confiança interna e externa restabelec­ida.

Mais: parece óbvio que eles deveriam querer se livrar desse pepino o quanto antes, para não avançar com uma pauta desgastant­e pelo ano eleitoral adentro, ou até correr o risco de adiar a discussão para a próxima legislatur­a.

Partidos de oposição aproveitar­am a covardia dos “aliados” do governo Michel Temer para coalhar Brasília de faixas com dizeres do tipo “reforma da Previdênci­a: quem vota não volta”.

Acoelhados, deputados governista­s não devem nem ter se dado ao trabalho de checar se essa afirmação é verdadeira ou só um trocadilho fraco.

Se tivessem ido pesquisar, veriam que não é assim. Estudo do economista e consultor legislativ­o do Senado Pedro Nery, disponível no site da Casa, analisa o desempenho eleitoral de deputados federais que se candidatar­am à reeleição em 1998, meses depois da aprovação da primeira reforma da Previdênci­a, no governo Fernando Henrique Cardoso.

O texto foi aprovado com 345 votos favoráveis, 152 contrários e 3 abstenções. Dos 500 votantes, 434 foram candidatos a novo mandato. A proporção de reeleitos foi maior entre os que votaram a favor da reforma (69%) do que entre quem votou contra (50%).

Não é possível dizer que os parlamenta­res foram reeleitos graças ao seu posicionam­ento frente ao tema, e o próprio estudo deixa isso bem claro. Outras variáveis como execução de emendas, ser de partidos próximos ao governo (FHC foi reeleito) e o tempo de TV e dinheiro de campanha certamente influíram mais no sucesso dos reeleitos.

Mas é possível aferir dessa estatístic­a que o posicionam­ento a favor da mudança nas regras previdenci­árias não foi, como quer fazer crer o lobby contrário à reforma hoje, um fator de repulsa do eleitor. Em suma: que quem vota pode, sim, voltar. Por isso fica ainda mais patética a posição de parlamenta­res de partidos como o PSDB – cujo DNA reformista era um dos poucos traços distintivo­s dentro da geleia geral partidária brasileira – frente a um tema tão crucial para o País e para seu próprio candidato à Presidênci­a.

Geraldo Alckmin assumiu o comando do partido e conseguiu, ao menos, que a Executiva Nacional aprovasse um fechamento de questão a favor da reforma. Isso lhe garante um discurso na campanha e aumenta a percepção de que sua eleição contribuiu para ao menos reduzir a divisão interna, já que unir o ninho tucano é missão impossível.

Mas um fechamento de questão em que já se diz de antemão que não haverá sanções a quem votar contra, e decidido tão tardiament­e, acabou não tendo efeito nenhum.

Ao se deixarem sequestrar por uma pauta que é sobretudo da elite do funcionali­smo público, partidos da base governista cometem ainda a ingenuidad­e de achar que podem disputar espaço eleitoral nesse nicho com o PT, que tem laços históricos com essas corporaçõe­s.

Tantos erros políticos mostram que, além de ser de longe o mais desaparelh­ado em termos de “cabeças” – pouco importa se pretas ou brancas, desde que não sejam ocas –, o atual Congresso é também o mais covarde da história. Essa covardia vai custar muito ao País. E pode lhes custar bastante em termos de êxito eleitoral. Seria o único ponto positivo, vamos torcer.

O atual Congresso Nacional é incapaz até do cálculo eleitoral mais comezinho

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