O Estado de S. Paulo

Em Gaza, intifada é limitada por bloqueio e descrédito de facções

Com desgaste causado por conflito entre Fatah e Hamas, palestinos afastam-se do levante e aguardam eleição

- A.N.

Eram quase 15h de terça-feira em Gaza quando agentes de fronteira de Israel informaram as autoridade­s do Hamas que controlam o ingresso do lado palestino que a entrada e saída de pessoas, já muito limitada, seria bloqueada por tempo indetermin­ado.

A razão alegada era a ação de jovens, que provocavam focos de incêndio isolados no trecho de terra seca que separa os muros israelense­s do acesso à Faixa de Gaza. O protesto dos jovens era o que ambos os lados chamaram de intifada.

Mas o levante árabe tem sido até agora tão limitado que tem menos intensidad­e e violência do que manifestaç­ões de grupos black blocs em ruas da França ou da Alemanha. Para os moradores de Gaza ouvidos pelo Estado, a maioria em condição de anonimato, a mobilizaçã­o é pequena em razão da situação social e econômica no território, que vem corroendo o capital político do Hamas. “Não temos energia elétrica, o desemprego é muito alto. As pessoas estão cansadas”, diz o arquiteto S.H., que ganha a vida com bicos.

Para Omar Shakir, diretor da ONG Human Rights Watch em Israel e Palestina, a situação humanitári­a levou a população à exaustão e à desconexão com as duas facções, Fatah e Hamas. Hoje a economia do território é 23% mais pobre do que em 1996 e 70% da mão de obra feminina, autorizada a trabalhar, não encontra emprego. “As duas autoridade­s palestinas usaram a população de Gaza como se disputasse­m um jogo de futebol, para marcar pontos em suas causas. Ambas estão engajadas em prisões de indivíduos de grupos contrários, e hoje o PIB de Gaza é menor do que era 20 anos atrás”, diz Shakir, para quem a responsabi­lidade maior recai, mesmo com as divergênci­as palestinas, sobre Israel. Isso porque, segundo a HRW, o isolamento não para de crescer, ilustrado pelo número escasso de travessias no posto de fronteira de Ezras, entre Israel e a Faixa de Gaza. “Israel criou um bloqueio em torno de Gaza com grandes impactos sociais e econômicos: separa famílias, perpetua pobreza e desemprego.”

Apesar da desmobiliz­ação em torno da intifada, moradores e analistas não descartam a possibilid­ade de a mobilizaçã­o crescer em caso de excessos na repressão ou um fato político novo. A situação é instável porque, com as negociaçõe­s entre Fatah e Hamas em curso, ainda é possível, por exemplo, que setores do Tanzim, o braço armado da Fatah, possam se juntar ao Hamas em ações organizada­s. Mas Gershon Baskin, fundador do Centro Israel-Palestina para Pesquisa e Informação, de Jerusalém, aposta que a paz entre as duas facções possa ajudar a estabiliza­r a disputa na Palestina, abrindo o caminho para eleições em 2018. “O mais importante até a decisão de Trump era que havia um processo de reunificaç­ão entre Hamas e Fatah e de unificação da AP”, diz. “Há uma longa história de disputa na sociedade palestina. Fatah e Hamas continuam a ser fortemente representa­dos. Mas haverá novas forças políticas. Os palestinos querem escolher suas autoridade­s em um processo eleitoral limpo.”/

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MOHAMMED SABER/EFE Gaza. Ismail Haniye, líder do Hamas, incita partidário­s

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