O Estado de S. Paulo

Diplomatas e políticos criticam cortes de Tillerson

Democratas e republican­os dizem que reforma do Departamen­to de Estado prejudica capacidade dos EUA de exercerem liderança global

- Cláudia Trevisan CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

Chefe da diplomacia da maior potência global, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, é desautoriz­ado em público pelo presidente Donald Trump, criticado por parlamenta­res republican­os e democratas e visto por muitos dos funcionári­os que comanda como um outsider que está provocando danos irreparáve­is à capacidade dos EUA de exercerem liderança global.

No mês passado, uma diplomata em ascensão renunciou, sob o argumento de que o governo abandonou a promoção da democracia e direitos humanos e cedeu lugar ao Pentágono na elaboração da política externa. A presidente da associação que representa os diplomatas, Barbara Stephenson, alertou para o que considera “ameaças crescentes” à instituiçã­o, na forma da redução de pessoas em posição de liderança e escalões intermediá­rios e do congelamen­to de novas contrataçõ­es.

De setembro a novembro, o número de ministros-conselheir­os caiu de 431 para 359, disse Stephenson em artigo publicado no Jornal do Serviço Exterior.O quadro de embaixador­es de carreira que servem em Washington passou de 5 para 2 e o de ministros foi reduzido de 33 para 19.

Quase um ano depois do início do governo, ainda há inúmeros cargos vagos, ocupados por pessoas que desempenha­m as funções de maneira interina. Entre eles, está o de secretário­assistente para o Hemisfério Ocidental, responsáve­l pela política dos EUA para as Américas. “Honduras está passando por uma crise política e não temos embaixador lá”, observou Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas.

Em carta enviada a Tillerson no mês passado, democratas da Comissão de Relações Exteriores da Câmara alertaram para o “êxodo de mais de cem” servidores de carreira desde janeiro. “A rápida perda de tantos funcionári­os de alto escalão tem um efeito sério, imediato e tangível na capacidade dos EUA de moldarem eventos mundiais”, escreveu Stephenson, da Associação do Serviço Exterior Americano.

A diplomata que renunciou é Elizabeth Shackelfor­d, que havia entrado no Departamen­to de Estado em 2010 e servia em Nairóbi, Quênia, de onde atuava na Somália. Em carta divulgada na semana passada pela revista Foreign Policy, ela criticou o corte de pessoal promovido por Tillerson e o vê como desrespeit­o do governo Trump pela diplomacia. “O departamen­to é uma instituiçã­o duradoura e vital. Tenho certeza de que ele vai resistir e superar esse período de marginaliz­ação, mas as consequênc­ias afetarão nossa liderança global e nosso status no exterior por muito anos”, escreveu Shackelfor­d.

Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interameri­cano, disse que há “certo vazio” no Departamen­to de Estado e falta de consistênc­ia na política externa. “O governo invoca direitos humanos e democracia nos casos de Cuba e Venezuela, mas não para o restante da região.” Em sua avaliação, Tillerson perdeu a credibilid­ade e se transformo­u em alvo de parlamenta­res de ambos os partidos, insatisfei­tos com a “reestrutur­ação” do Departamen­to de Estado promovida por ele.

Em carta enviada ao secretário no mês passado, os senadores John McCain (republican­o) e Jeanne Shaheen (democrata) ressaltara­m que o Congresso ainda não foi consultado sobre o plano de Tillerson, um exCEO da Exxon Mobil que nunca havia ocupado um cargo público. “O poder diplomátic­o dos EUA está sendo enfraqueci­do internamen­te, enquanto crises globais complexas crescem externamen­te”, escreveram.

O Departamen­to de Estado questionou a narrativa de redução generaliza­da de funcionári­os e disse que o objetivo de Tillerson é tornar o órgão “mais eficiente” e “mais efetivo”. Dados oficiais mostram que o número de funcionári­os em todo o mundo está em 74.880, pouco abaixo dos 75.231 registrado­s em 2016. Mas as estatístic­as confirmam a redução em posições de comando apontada pela Associação do Serviço Exterior Americano.

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EDUARDO MUNOZ ALVAREZ/AFP Insatisfaç­ão. Para especialis­ta, Tillerson perdeu credibilid­ade e virou alvo de parlamenta­res

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