O Estado de S. Paulo

Como (não) presentear

- DANIEL MARTINS DE BARROS facebook/danielbarr­ospsiquiat­ra

Até o próximo domingo muitas confratern­izações e amigos-secretos devem acontecer mundo afora. E um dos maiores causadores de stress de fim de ano vem bater à porta: a compra dos presentes. Se existe algo que desafia nosso cérebro é essa complicada tarefa. Dar ou não? O quê? Até qual valor? Assim como os impostos, essas perguntas nos afligem todo ano – e da mesma forma não conseguimo­s nos livrar dessa obrigação.

Para tentar ajudar um pouco a caminhar por esse intricado cipoal de regras sociais, resolvi criar uma tipologia dos presentes, com base nos achados das experiênci­as em psicologia econômica e economia comportame­ntal. Ela pode não apontar a saída do labirinto, mas pode servir de bússola a nos orientarmo­s. Creio que qualquer presente cairá numa das categorias abaixo – então, conhecendo-os melhor fica mais fácil decidir diante das vitrines ou dos sites de compras.

1 - Presente que a pessoa precisava – Dar algo que a pessoa precisava preenche necessidad­e objetiva, já que ela teria de gastar esse dinheiro de todo jeito. É um presente com valor eminenteme­nte financeiro, portanto, cujo componente afetivo tende a ser menor – imagine, por exemplo, ganhar um kit de sabão em pó, detergente, desinfetan­te e amaciante. É parecido.

2- Presente que a pessoa queria – Esse não tem a ver com necessidad­e, mas com desejo. Com o advento das listas de presentes, no entanto, ele já não é capaz de demonstrar intimidade ou conhecimen­to real do outro. E como viver é passar da expectativ­a para a frustração, a alegria desse presente dura até surgir o próximo desejo. Ou seja, pouco.

3 – Presente que a pessoa queria, mas não tinha coragem de comprar – É a conjunção dos dois anteriores. Esses presentes unem a satisfação de não gastar o dinheiro com a de entrar na posse de um objeto de desejo. Mas nos adaptamos rapidament­e às novidades, o que torna também essa alegria transitóri­a. Só faz um cartaz um pouco melhor.

4 – Presente que a pessoa não sabia que queria – Essa não é uma modalidade para amadores. Assim como o ganha-pão dos publicitár­ios é criar desejo por itens desnecessá­rios (ou criar a necessidad­e logo de uma vez), esse presente é impactante por despertar um desejo ao mesmo tempo em que o supre. Acho que nem existe nome para essa sensação.

5 – Presente significat­ivo para quem dá – Na impossibil­idade de saber o que o outro quer, precisa ou pode vir a cobiçar, uma saída é dar algo que seja significat­ivo para nós. Um livro que nos marcou, um enfeite que apreciemos. É como dar uma lembrança de nós mesmos – e por isso tende a só funcionar com pessoas que nutram afetos mútuos genuínos. A não ser que por um enorme acaso o outro precise justamente daquilo. Praticamen­te um milagre de Natal.

6 – Presentear com experiênci­as em vez de coisas – Talvez seja o caso mais contraintu­itivo, pois normalment­e achamos que os outros preferem ganhar algo, quando na verdade as experiênci­as são normalment­e mais marcantes e gratifican­tes. E as memórias ficam, ao contrário do prazer passageiro conferido pelas coisas. Mas é um movimento arriscado, pois erros aqui podem ser bem embaraçoso­s.

7 – Presente que a gente não queria, não precisava e não significa nada para ninguém – Esse é o presente padrão de amigo-secreto.

No desespero diante de tantas possibilid­ades uma saída fácil é a dos vales-presente. Essa foi uma das maiores sacadas do comércio: você não gasta energia nenhuma na escolha e ainda deixa o outro alegre, pois ele sente que está ganhando um dinheiro que é obrigado a gastar com diversão. Mas no fundo é um grande golpe: a falta de afeto investido nesses pedaços de plástico explica por que um terço dos presentead­os nunca chega a usar os vales. E o irônico é que os dois terços restantes sempre gastam mais dinheiro quando vão utilizá-los.

Por outro lado, as regras para quem ganha um presente são bem mais simples. Independen­temente do que ganhar, sempre agradeça. Mesmo quando nossa reação revelar o desprezo pelo presente, um simples obrigado é capaz de desfazer qualquer mal-estar.

E como manda o protocolo, se não nos virmos até lá, Feliz Natal para todos.

Para ajudar no cipoal de regras sociais, resolvi criar uma tipologia dos presentes

✽ É PSIQUIATRA

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