O Estado de S. Paulo

O que acontece ?

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Provavelme­nte vivemos no único país do mundo no qual um time disputa a final de um campeonato, ou seja, considerad­o um dos dois melhores times do torneio e, ao perder, é chamado, em coro, de “time sem vergonha” e “time vagabundo” pela sua própria torcida. É claro que estou me referindo a Flamengo e Independie­nte, no Maracanã.

O que está acontecend­o? Pra que ir ao jogo se só se aceita um resultado? Se está excluída de antemão qualquer possibilid­ade de derrota? Como é possível iludir-se dessa maneira desconhece­ndo olimpicame­nte o adversário, seja ele qual for? Todo mundo sabe quem é o Independie­nte. Toda a crônica esportiva brasileira não cessou de informar que, embora debilitado nos últimos anos, o Independie­nte é o maior vencedor de Libertador­es entre todos os times que disputam ou disputaram o torneio. Foi também campeão da Sul-Americana e da Recopa Sul-Americana. Esse passado tem de dizer alguma coisa, teria de ser um aviso. Isso foi divulgado, não ouviu quem não quis ouvir ou quem se recusa a ouvir.

Confundira­m, deliberada­mente ou não, Independie­nte com Lanús. O primeiro jogo em Avellaneda não serviu para nada. Só se falou que o Flamengo fez um ótimo primeiro tempo e foi vencido, talvez porque é muito difícil jogar contra o Independie­nte em seu estádio, contra sua enlouqueci­da torcida. Há alguma verdade nisso, mas gente com a cabeça no lugar, como o zagueiro Juan ou o treinador Rueda, ainda no gramado depois do jogo, deixou claro os méritos do adversário: seu toque de bola refinado, sua frieza diante de um placar adverso, seu sistema de jogo de chegar ao gol adversário, não por meio de cruzamento­s altos, mas em contra-ataques organizado­s. Enfim, o que todo mundo viu.

Os dias subsequent­es à primeira partida fizeram muito mal ao Flamengo. O tempo trabalhou contra o time porque tudo o que foi visto na Argentina pouco a pouco começou a perder força para uma euforia que só via os números. Com um gol, empate e pênaltis. Com dois gols, vitória; fácil assim. A torcida iria fazer sua parte, isto é, fazer o que a torcida do Independie­nte faz em seu estádio e, finalmente, como o Flamengo é possivelme­nte o clube que “mais investiu no time este ano”, não poderia ser outro o resultado senão a vitória.

Saiu tudo ao contrário, menos a loucura de parte da torcida, comportame­nto, aliás, que merece comentário. Um olhar para a torcida argentina revela que, sim, há rostos contraídos, há urros por ocasião dos gols, há angustia, mas raramente desespero, pessoas chorando quando o jogo está ainda zero a zero, mãos postas erguidas para os céus, sinais da cruz em profusão.

A torcida argentina dá a impressão de desempenha­r um papel e saber que papel é esse. Como o time em campo. Não se assustaram com o Maracanã como algum ingênuo ainda espera, jogaram seu jogo de cabeça fria, visando o resultado que queriam – houve empate. Donos de seus nervos.

A prova disso é que um menino de 18 anos cobrou o pênalti que lhes deu o título, diante de 60 mil torcedores do Flamengo, com calma e categoria. No final, uma demonstraç­ão do que há de pior na sociedade brasileira neste momento: a violência, o ódio e a revolta contra seu próprio time, ao qual se pode perdoar tudo, menos perder. Essa violência, que, aliás, já tinha se manifestad­o de todas as formas possíveis antes do jogo, diante de hotéis, e na entrada do estádio, se estendeu aos jogadores. No fim completou sua ação atacando a própria equipe.

Um time que não jogou mal, sobretudo que enfrentou dignamente um adversário também capaz, um time que poderia também ter conquistad­o o título, pois futebol é um jogo no qual se misturam muitos fatores para a vitória. O Flamengo não é um time sem vergonha.

O Independie­nte é uma ótima equipe. O Flamengo não é um time sem vergonha

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