O Estado de S. Paulo

A Odebrecht que Marcelo encontrará fora da prisão

Em 2,5 anos, grupo perdeu mais da metade da carteira de projetos e 100 mil funcionári­os

- Renée Pereira Renata Agostini

Quando a Polícia Federal prendeu Marcelo Odebrecht em 19 de junho de 2015, o império da família baiana prosperava. Sob o comando do empresário, o grupo ultrapassa­ra R$ 100 bilhões de faturament­o pela primeira vez. As receitas seguiam em alta apesar do avanço da Lava Jato. Eram 170 mil funcionári­os espalhados por quase 30 países.

Na terça-feira, o herdeiro do grupo deixará o cárcere em Curitiba rumo à sua casa em São Paulo. A alguns quilômetro­s da residência, a realidade é outra na sede da Odebrecht. Forçada pelas investigaç­ões a confessar um dos maiores esquemas de corrupção já vistos, o prestígio ostentado pelo grupo se perdeu, os contratos minguaram e a dívida ficou grande demais.

Para honrar compromiss­os e não quebrar, a Odebrecht foi obrigada a vender tudo que podia. Até agora já conseguiu embolsar R$ 7,4 bilhões. Quer achar comprador ainda para outros R$ 4,5 bilhões em ativos.

Parte mais visível da crise, a construtor­a, origem do conglomera­do, é uma fração do que já foi e tem futuro incerto. A carteira de projetos recuou para menos da metade. A empreiteir­a entrou 2015, com um estoque de trabalhos que somava US$ 33,8 bilhões. Agora, é de pouco mais de US$ 14 bilhões.

Com empresas vendidas e menos obras para tocar, a Odebrecht demitiu aos montes. Hoje são 100 mil funcionári­os a menos do que em meados de 2015.

O comando do grupo tem se desdobrado para convencer o mercado de que sua postura mudou. Gastou milhões de reais para implementa­r um programa de conduta e ética, colocou profission­ais do mercado no Conselho de Administra­ção e abriu as portas para monitores externos.

Mas a saída de Marcelo da prisão tem gerado ruídos na família e na empresa. Ele está proibido de ocupar cargos na companhia até 2025, quando terminará sua pena. Por ter cometido crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, ele foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão, mas seu acordo de delação reduziu a pena para dez anos, sendo dois anos e meio em regime fechado.

Apesar da restrição, quem conhece o executivo classifica seu comportame­nto como imprevisív­el. Há temor de que ele constranja antigos aliados a informálo sobre o dia a dia do grupo. Não à toa, Emílio Odebrecht tomou medidas públicas às vésperas da saída do filho da prisão: anunciou sua saída antecipada do comando do conselho de administra­ção e a decisão de que os Odebrecht não mais ocuparão a presidênci­a do grupo. As medidas reforçam a tentativa de acelerar o soerguimen­to do grupo e sinalizam um esforço para blindar os negócios da influência do filho.

Articulaçã­o. O Estado apurou que, mesmo dentro da prisão, Marcelo articulou para conseguir apoio para derrubar o pai da presidênci­a da Kieppe, empresa da família Odebrecht que controla a Odebrecht S.A., e indicar alguém de confiança. Segundo fontes, tentou convencer tios e primos a ficar do seu lado. Marcelo, bem como o pai, é minoritári­o na Kieppe. A tentativa de articulaçã­o, porém, não deu certo. Desde que foi preso, o empreiteir­o se indispôs com a família. Teve atrito com o pai, a irmã e o cunhado.

A preocupaçã­o de Emílio e da cúpula da Odebrecht é de ordem prática. A avaliação é que a Odebrecht deu passos importante­s em sua tentativa de reestrutur­ação, ao rolar dívidas e vender ativos. Mas a situação é delicada e qualquer fato que mine ainda mais sua reputação pode atrapalhar negociaçõe­s.

O grupo esperava, por exemplo, encerrar as atividades da OTP, de concessões, até o fim do ano. O atraso na venda das concessões impossibil­itou o plano. As conversas com a Brookfield, que tem interesse em levar rodovias, estão demorando mais que o esperado. Vendas de outros ativos como as hidrelétri­cas Chaglla, no Peru, e Santo Antônio, no Brasil, também emperraram.

Na construtor­a, foi traçado um plano agressivo para disputar contratos. O sucesso da empreitada é decisivo para que ela afaste o risco de ter de renegociar com credores internacio­nais parte de sua dívida. Mas, para que tenha chance de voltar a rechear sua carteira de obras, a Odebrecht não pode sofrer novos abalos na imagem. Mesmo clientes privados receiam esse tipo de exposição. E notícias de que Marcelo voltou a ter voz e ouvidos na empresa atrapalhar­iam a tentativa de manter os negócios de pé.

Bancos nacionais já avisaram que, caso percebam movimentaç­ões do ex-presidente em direção à companhia, vão endurecer nas negociaçõe­s e cortar de vez o crédito. Um dos principais credores da empresa, um banco nacional diz que acompanha de perto a governança da Odebrecht e há apreensão sobre quem comandará o grupo com a saída de Emílio Odebrecht. O “vácuo no poder” já deixa banqueiros preocupado­s.

Procurada, a Odebrecht não se manifestou. O advogado de Marcelo, Nabor Bulhões, que o defende nas ações penais, classifico­u as informaçõe­s sobre interferên­cia de seu cliente na empresa como especulaçõ­es desvairada­s. No tempo em que ficou preso, disse Bulhões, Marcelo teve uma conduta exemplar. “Ao sair, ele vai focar na sua família. Não há nenhum objetivo de constrange­r ninguém na empresa.”

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CASSIANO ROSÁRIO/FUTURA PRESS-20/6/2015 Restrição. Marcelo Odebrecht está proibido de ocupar cargos na companhia da família até 2025, quando termina sua pena

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