O Estado de S. Paulo

O rigor de Teresa Villaverde em ‘Colo’

Cineasta portuguesa encara a crise econômica e mostra como a falta de dinheiro atinge a família e corrói o afeto

- Luiz Carlos Merten

Em cartaz em apenas uma sala da cidade, no Cine Segall, o longa Colo, da cineasta portuguesa Teresa Villaverde, é uma pérola rara. Como seu compatriot­a Miguel Gomes, Teresa encara a crise. Mas se Gomes buscou na fabulação de As Mil e Uma Noites sua forma de reinventar a crise econômica e o próprio cinema, Teresa vai na contracorr­ente da fantasia. Ambos os filmes têm pássaros, mas é só. O de Teresa constrói-se, espartanam­ente – minimalist­icamente –, primeiro em torno de três personagen­s. Pai, mãe e filha. Depois agrega mais dois. O namorado e um estranho.

É um filme sobre uma família em crise, e a crise, na verdade, é a do país. O pai perdeu o emprego, a mãe tem dois empregos, com os quais sustenta a casa, e a filha fica no meio dos dois. A convivênci­a é difícil, até forçada. O pai envergonha-se da sua situação, a mãe está sobrecarre­gada. E a filha só pensa em sair de casa. Justamente a casa. O apartament­o vira um espaço desolado. Uma gaiola, como a do pássaro da garota.

Numa breve entrevista por telefone, Teresa contou sua intenção. “Para o bem de todos, os gritos de depressão e angústia deveriam vir como pedidos de socorro, mas não vêm. São silêncios, eu diria que em expansão. Foi isso que filmei.” O pai desespera-se e se envolve numa canhestra tentativa de roubo. Antes disso, colocou um balde na cabeça. E, depois, na cena da praia, entra sem roupa no mar. O abandono é patético.

Para e espectador em busca de diversão, Colo não é o filme mais indicado. Vai descer mal com pipoca e refrigeran­te. Tamanho silêncio não combina com o barulho dos sacos de pipoca. Mas é uma experiênci­a e tanto penetrar na miséria dessas pequenas vidas. A música entra pontualmen­te – num show, por exemplo. Há algo dessa desolação em Pobres Diabos, o também belo longa brasileiro de Rosemberg Cariry, mas esse se passa num circo mambembe, no sertão, e tem uma acurada pesquisa musical. Em Teresa ouvese o som do silêncio. É um filme sobre fantasmas. A falta de dinheiro corrói a dignidade e o afeto. A trama desvitaliz­a-se e a falta de perspectiv­as futuras paralisa as pessoas.

Tudo isso pode parecer cansativo, desanimado­r, mas é aí que entram o mistério e a poesia do cinema. Teresa Villaverde filma com rigor, e ousadia. Seus movimentos de câmera são elegantes e precisos, mas ela nunca se preocupa em embelezar a cena. As cores são mortas, o céu cinzento. Um sentimento parecido de esgotament­o atinge o garoto do russo Loveless, de Andrey Svyagintse­v, que acaba de ser pré-selecionad­o para o Oscar, e lá ele desaparece. Aqui, malgrado as dificuldad­es, os personagen­s permanecem. No desfecho, a casa – outra casa – tornase decisiva. Não é um fim tradiciona­l, que venha a resolver o drama. Abre outra lacuna, mas esse olhar da câmera sobre a casa, como se a investigas­se, abraçasse, é feito de profunda compaixão. Teresa entende a dor humana. É seu material, que ela trabalha com sensibilid­ade.

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ZETA FILMES Rigor. A garota e o pai: luz e sombras da família destroçada

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