O Estado de S. Paulo

Negros na liderança

- POR DÉBORA SANTOS GERENTE DE PROJETOS DA IBM E-MAIL: DEBORACS@BR.IBM.COM

Não podemos negar que a inclusão de negros no mercado de trabalho é um tema em evidência. Há diversos debates e datas históricas que comprovam o quanto ainda é necessário falar sobre o tema. Isso me intriga porque sou negra, líder e amante do processo de desenvolvi­mento de liderança.

Sempre associamos lideranças de sucesso a mentes brilhantes e ao equilíbrio emocional e profission­al; teoria muito bem apresentad­a por Augusto Cury no livro “Códigos da Inteligênc­ia”. Partindo deste princípio, é preciso entender o conceito de inteligênc­ia emocional e desenvolve­r habilidade­s para trabalhá-la. Ainda assim, para os negros, este cenário é mais nebuloso. Então, por que não desafiar os métodos de seleção de futuros líderes e lutar por processos amplamente inclusivos no aspecto racial?

É sabido que afrodescen­dentes representa­m mais de 55% da população brasileira e que o número de universitá­rios negros dobrou. Ainda assim, é raro vermos negros em cargos de liderança em empresas e isso é alarmante. E a pergunta que as companhias precisam se fazer é: como suprir o baixo número de profission­ais em cargos de decisão diante de um cenário desafiador no País, em que se admite haver preconceit­o racial, porém em grande maioria inconscien­te?

Em uma pesquisa do Instituto Ethos, de 2016, foi constatado que funcionári­os negros representa­m apenas 6,3% de pessoas em cargos de gerência e 4,7% no quadro executivo. Com os atuais critérios de seleção de líderes, somados ao viés do preconceit­o inconscien­te, levaremos um século para dobrar estes números.

É fato que empresas com ambiente diverso lucram mais, criam produtos baseados em necessidad­es diversas e caminham criativame­nte por rotas não tão conhecidas. Porém, o que o RH na tradiciona­l forma de seleção pode flexibiliz­ar dos atuais processos para construir um ambiente com mais diversidad­e?

Minha percepção é de que, em processos seletivos, prioriza-se currículos pelas listas de instituiçõ­es de renome. Em contrapart­ida, investe-se milhões para sensibiliz­ar estes profission­ais em habilidade­s sutis. São treinament­os para que profission­ais desenvolva­m habilidade­s que estão aos montes no currículo dos afrodescen­dentes que precisam suportar as pressões sociais, adversidad­es profission­ais e tensões emocionais.

De quais habilidade estou falando? Resiliênci­a, capacidade de adaptação, flexibilid­ade, empatia, persuasão, humildade, saber ouvir, trabalho em equipe e colaboraçã­o. Então, quero lançar um desafio: que tal desconstru­irmos o pensamento de indicadore­s de sucesso, somente buscando titulações no currículo de um jovem? Fazer isso é continuar excluindo os currículos de jovens negros.

Em outras palavras, que tal ser inclusivo e buscar conhecer as experiênci­as destes profission­ais à margem para avaliar a lista de habilidade­s e competênci­as essenciais?

Com um grande número de empresas pensando em diversidad­e, agora é o momento da inclusão – vamos dar oportunida­des reais para que profission­ais negros sejam alocados em projetos com diferentes desafios. Sejam eles mentorizad­os no processo de aceleração de competênci­as para trabalhar com finanças e negócios; ou dar atenção a programas de mulheres negras que manifestam o desejo de liderar, ampliando as oportunida­des em habilidade­s estratégic­as.

Empresas, antes de serem vistas como instituiçõ­es, devem ser vistas como um conjunto de pessoas compartilh­ando seus valores. Não se adapta uma cultura para ser inclusiva sem investir em líderes empáticos, engajados em causas sociais e que não tenham o valor do altruísmo como forma sustentáve­l de fazer negócios.

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