O Estado de S. Paulo

‘HOUVE AÇÃO PLANEJADA COM A PGR’

Senador tucano se diz vítima de ‘armadilha’ e classifica prisão de sua irmã, Andrea Neves, como experiênci­a ‘traumática’

- AÉCIO NEVES, SENADOR

Osenador Aécio Neves (PSDB), em entrevista a Eduardo Kattah e Pedro Venceslau, a primeira depois de ser denunciado por corrupção e obstrução da Justiça, admite que cometeu um erro ao pedir R$ 2 milhões a Joesley Batista e afirma que foi “vítima de uma ação planejada com a PGR” ao ter a conversa com o empresário gravada. Ele ainda diz que será candidato em 2018, provavelme­nte ao Senado.

“Não há hipótese de (disputar a eleição) para a Câmara” AÉCIO NEVES

SOBRE DESISTIR DO SENADO

Em sua primeira entrevista exclusiva após ser denunciado por corrupção e obstrução da Justiça com base na delação do Grupo J&F, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) negou que tenha cometido crime e disse que foi gravado por Joesley Batista em “uma ação planejada com a participaç­ão de membros da Procurador­ia-Geral da República”. Após a Operação Patmos, Aécio chegou a ser afastado do mandato, teve prisão preventiva solicitada e ficou em recolhimen­to domiciliar noturno. Ele admite apenas que cometeu “um erro” ao pedir R$ 2 milhões para o empresário. Leia os principais trechos da entrevista concedida ao Estado na quinta-feira passada.

• Após um 2017 turbulento, qual é o seu projeto eleitoral para 2018? Está no seu radar voltar à Câmara?

Essa possibilid­ade não existe. Minha prioridade é responder de forma serena, mas muito firme, a todas essas denúncias que envolveram meu nome. Sou o primeiro a reconhecer que cometi um erro ao aceitar, de alguém que se dizia amigo, uma ajuda para pagar meus advogados. Mas não cometi crime. Quem foi lesado? O Estado foi lesado nisso? Houve alguma contrapart­ida? Não houve. Eu sei que a forma como isso é divulgado gera na opinião pública um sentimento muito negativo. Tenho 32 anos de mandatos honrados, dignos. Fiz um governo em Minas Gerais que virou referência para o Brasil. Fui candidato à Presidênci­a da República defendendo aquilo que eu acreditava. Sem dúvida, parte dos ataques que eu recebo vem da forma como enfrentei o PT em uma disputa extremamen­te dura. No processo que culminou com o afastament­o da presidente da República tivemos um papel que buscou tirar o Brasil da paralisia. Não tenho do que me arrepender da minha trajetória pessoal.

• Mas e o episódio da delação do Grupo J&F...

Reconheço que errei nesse episódio (sobre a conversa gravada por Joesley Batista), principalm­ente na forma de me comunicar. Ainda que em uma conversa privada, com um linguajar pelo qual me penitencio pessoalmen­te. Mas os fatos vão demonstran­do de forma clara que eu fui vítima de uma grande armadilha. Seja nas novas gravações – em especial uma, que parece ter sido omitida inicialmen­te – na qual minha irmã (Andrea Neves) oferece um apartament­o de família e convida ele a visitar. Novos depoimento­s mostram de forma clara que houve uma ação planejada com a participaç­ão de membros da Procurador­ia-Geral da República. Vou dar aqui um dado que ainda não é de conhecimen­to público. No dia 24 de março, depois de uma reunião de várias horas na Procurador­ia-Geral, aqui em Brasília, com a presença do senhor Joesley Batista, dos seus advogados, do (diretor jurídico da J&F) Francisco de Assis, ele (Joesley) pega um avião e vai a São Paulo para me gravar. Essa gravação foi feita após uma reunião em que o senhor Francisco de Assis afirma em seu depoimento que a gravação foi objeto de conversa dessa reunião na sede da PGR. Há um depoimento do advogado da JBS confirmand­o essa reunião. É óbvio que se deduz que ele saiu da conversa com procurador­es com uma pauta.

• Quais membros da PGR? Rodrigo Janot estava presente?

Não tenho informação de que ele estivesse, mas é muito difícil que isso não fosse de conhecimen­to interno na Procurador­ia. Para obter benefícios da delação, ele (Joesley) transformo­u a oferta da venda de um apartament­o em uma grande armadilha. Mas tenho absoluta confiança na Justiça.

• A Polícia Federal filmou, com autorizaçã­o do Supremo, a entrega de uma mala com R$ 500 mil em espécie para seu primo, Frederico

Pacheco, que depois repassou esse dinheiro para um ex-assessor do senador Zezé Perrella (PMDB-MG). Isso depois do diálogo no qual o senhor pediu R$ 2 milhões ao Joesley. Como explicar uma mala de dinheiro?

Ele ofereceu um empréstimo para eu pagar os advogados dessa forma. Isso obviamente negociado no objetivo da sua delação. Ele disse que ia me emprestar esses recursos das “suas lojinhas”. Recurso privado em dinheiro. Eu aceitei. Foi um erro. Pagaria com a venda de um apartament­o. Esse recurso depois foi integralme­nte devolvido. O Estado não foi lesado. Não há contrapart­ida. Concordo que as imagens dão a impressão disso, no contexto negativo. Pago um preço altíssimo.

• Como paga hoje sua defesa?

Estou pagando com toda a dificuldad­e do mundo, vendendo parte do meu patrimônio com ajuda da minha família. Todos esses pagamentos são registrado­s com origem específica. E muito aquém das expectativ­as iniciais dos advogados. • Após o 2º turno de 2014, o sr. disse que perdeu não para um partido político, mas para uma “organizaçã­o criminosa”. O argumento do combate aos desvios éticos na política permeou sua defesa do impeachmen­t e a ação para cassar a chapa Dilma-Temer. Depois o sr. foi denunciado por corrupção, citado por delatores e passou a ser alvo de inquéritos no STF. Como explicar isso aos eleitores que lhe deram quase 50 milhões de votos naquela eleição? Dizendo sempre a verdade. Quais são as acusações pelas quais eu respondo hoje? Apoio para campanhas eleitorais, feitos como a lei determinav­a.

• Mas com caixa 2?

Não é caixa 2, mas apoio às campanhas eleitorais feita por empresas. O que houve é que, a partir de um determinad­o momento, os delatores foram levados a dizer que todos os apoios às campanhas eram tratados como propina. Umas das denúncias do (ex-)procurador­geral (Rodrigo Janot) diz respeito aos recursos doados à campanha do PSDB registrado­s na Justiça Eleitoral.

• O sr. teve medo de ser preso? Como se sentiu ao ser afastado do mandato e depois ficar em recolhimen­to domiciliar noturno?

Foi uma injustiça (o pedido de prisão da PGR), mas recebo com serenidade. Eu sei quem eu sou. Não houve crime algum. Fui vítima de ação controlada sem autorizaçã­o do STF. Uma armação de alguém que estava vendendo a sua alma para ter benefício da delação. Acharam que eu poderia ser uma cereja desse bolo.

• E sobre a prisão preventiva da sua irmã, Andrea Neves?

Foi uma coisa extremamen­te traumática pelo absurdo e pela enorme injustiça. Ela teve 10 minutos com ele (Joesley) na vida. Ofereceu um apartament­o da nossa família (para venda ), que havia sido oferecido a outras pessoas das nossas relações e isso tudo já está documentad­o no processo. O outro contato foi telefônico, ela o convidando para conhecer o apartament­o. Ponto. Essa foi a participaç­ão dela. Mas ela tem astral grande e energia elevada. Está muito bem. Vamos em frente.

• O sr. vê abusos da Lava Jato?

Não sou a pessoa mais adequada para fazer esse julgamento. Vai parecer que é minha defesa. Mas, as denúncias existem de toda a parte e, ao final, muitos desses vazamentos que não se confirmara­m vão ter alguma consequênc­ia. É preciso separar o joio do trigo. Quem lesou os cofres públicos precisa ser punido, quem é vítima das consequênc­ias políticas das suas atuações – e me vejo nesse caso – tem de dar suas explicaçõe­s, mas (eles) serão absolvidos.

• O ministro Luiz Fux cobrou do sr., ao apresentar um voto, um “gesto de grandeza” de pedir licença do Senado...

Não vou comentar uma manifestaç­ão do ministro do Supremo. Ele deve avaliar se foi adequada.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Defesa. Aécio Neves no seu gabinete, em Brasília; senador diz que está vendendo parte do patrimônio para pagar advogados

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