O Estado de S. Paulo

‘Não torço pela prisão do Lula’, afirma senador mineiro

Ex-presidente do PSDB descarta disputar uma vaga para a Câmara e afirma que deve tentar reeleição para o Senado

- Eduardo Kattah Pedro Venceslau ENVIADOS ESPECIAIS / BRASÍLIA

O senador Aécio Neves (MG) afirmou também ao Estado que não se pode descartar uma nova candidatur­a de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidênci­a da República. “Depois de um determinad­o período, em junho, quando as convenções são realizadas, acho difícil impedir uma candidatur­a presidenci­al.”

• Já que o sr. descarta disputar uma vaga na Câmara dos Deputados, para qual cargo pretende concorrer no ano que vem?

Não há hipótese da Câmara. Não faria sentido. Existem em Minas manifestaç­ões das mais variadas para que eu dispute cargos majoritári­os. Teremos uma candidatur­a para ser contrapont­o ao governo do PT. O caminho natural é o Senado.

• Será uma eleição sem doação empresaria­l. Como pretende financiar sua campanha?

Defendi que nós deveríamos manter o financiame­nto empresaria­l em limites muito mais estreitos do que aqueles que já existiam, com controle maior. Fomos voto vencido. Perdemos aqui com o voto de muita gente que se arrepende um pouco disso. Coube ao Estado financiar as campanhas. É uma nova experiênci­a. Meu sentimento é que após essas eleições nós vamos estar discutindo o retorno do financiame­nto privado.

• Por quê?

Porque a tendência é cada vez mais você onerar o Estado nesse financiame­nto. Os recursos que serão destinados nesse ano, pelo que estou percebendo, serão maiores do que aqueles anunciados inicialmen­te. Esse assunto fatalmente voltará.

• O financiame­nto empresaria­l não é a origem de todos esses casos de corrupção?

Não acho que seja o financiame­nto privado. A questão da corrupção é de caráter e posicionam­ento pessoal de cada um. O que houve foi uma apropriaçã­o de determinad­as empresas do processo político. Defendemos limites estreitos. Não podemos ter mais no Brasil o cenário em que uma empresa financia 300 parlamenta­res e cria vínculos com eles.

• O sr. foi vaiado na convenção do PSDB. Sentiu um clima hostil por parte de ex-aliados? Chegaram a pedir que não fosse ao evento?

Pelo contrário. Eu fui recebido de forma entusiasma­da por centenas de militantes do partido, que me homenagear­am. Reconhecem o trabalho que eu fiz no PSDB. Se existiram insatisfaç­ões, não cheguei a ouví-las. Mas considero natural que possa ter ocorrido, principalm­ente daqueles que estavam descontent­es com a eleição de Geraldo Alckmin, presidente do PSDB. Porque tinham outras preferênci­as. Fiquei feliz de ver o governador Geraldo Alckmin tendo a possibilid­ade de receber um partido unido. Ele terá o grande desafio de resgatar o DNA reformista do PSDB. O PSDB não pode apoiar as reformas da boca para fora. Não pode ser caudatário da ação de outros partidos. Somos vanguarda. Sempre fomos. Foi muito positivo que o PSDB fechasse questão (obrigar a votar em bloco) em relação à votação da reforma da Previdênci­a. Mas é óbvio que esse fechamento de questão precisa de alguma consequênc­ia. Alguma sanção tem de haver, senão fica parecendo jogo de cena.

• O governo Temer defende um projeto único de poder, com um candidato que defenda o legado da atual gestão na eleição. Alckmin deve fazer esse papel?

Não acho que esse seja o papel do PSDB. Ao mesmo tempo, nós não temos de nos envergonha­r em momento algum do apoio que demos à agenda do governo Temer. Essa foi uma decisão coletiva, não individual do presidente do partido. Muitos que hoje bradam pelo “fora, Temer”, foram lá entregar a ele um conjunto de propostas. O item 6 era exatamente a reforma da Previdênci­a. Condiciona­mos nosso apoio à adoção dessa agenda. Goste ou não do presidente Temer, boa parte dela está em curso. É um governo impopular, mas o Brasil de hoje é melhor do que no final do governo Dilma. É governo dos sonhos? Não é. Não é o governo do PSDB. Sempre foi o governo do PMDB. Mas a saída do PSDB do governo não podia ser um jogo de cena. Seria oportunist­a. O partido corria o risco de repetir aquilo que sempre condenamos no PT. Não podemos jogar pedras no governo porque ele é impopular. Algumas alianças podem acontecer com naturalida­de. Na vida como na política, a virtude nunca está nos extremos. O PSDB precisa resgatar esse espaço, do ponto de equilíbrio. Não devemos agora negociar alianças de forma açodada.

• O que achou do agendament­o do julgamento do recurso de Lula no TRF-4 para janeiro? O expresiden­te FHC disse que prefere enfrentar Lula nas urnas do que vê-lo preso.

Eu não torço pela prisão do Lula. Não torço pelo que ele represento­u para o País. Mas ele tem de responder para a Justiça, que não pode ser seletiva. O que o ex-presidente Fernando Henrique externou é um sentimento pessoal. Temos de resgatar na eleição a capacidade de discutir o País. Temos de sair da delegacia de polícia e voltar a falar ao coração das pessoas. Precisamos restabelec­er um clima minimament­e respeitoso.

• Lula consegue se candidatar?

Deve-se trabalhar com a possibilid­ade do Lula candidato.

Não é apenas a decisão do TRF da 4.ª Região, mas os recursos que ele ainda pode entrar. Depois de um determinad­o período, em junho, quando as convenções são realizadas, acho difícil impedir uma candidatur­a presidenci­al. Quanto mais cedo essa questão for resolvida, melhor para o processo eleitoral. O PSDB precisa estar preparado para disputar com qualquer um, até mesmo com o Lula.

• Como sair da “delegacia de polícia” num momento em que a classe política enfrenta um desgaste tão forte, com ex-governador­es e ex-ministros presos, assim como um ex-presidente da Câmara?

Isso não vai desaparece­r. Vai estar presente nas eleições, mas não pode ser o mote da eleição. Se trouxermos o Supremo ou o juizado de primeira instância para ter protagonis­mo nas eleições, quem perde é a população. Mas reconheço que todos os partidos políticos passam por uma gravíssima crise de representa­ção, no Brasil e no mundo. As pessoas estão buscando outra conexão com seus representa­ntes, que não seja pelos partidos.

• O sr. chegou a dizer que a “falência da política” explicaria uma possível pré-candidatur­a do Luciano Huck à Presidênci­a. Ele, por sua vez, disse que estava decepciona­do com o sr...

Depois de algum tempo, eu voltei a conversar com ele. Restabelec­emos uma relação. O que eu quero em relação ao Luciano e a qualquer outra pessoa é uma oportunida­de de apresentar minha defesa sem prejulgame­nto. Há um desgaste político enorme, mas não houve crime. Quando falo da falência da política, não me refiro a ele especifica­mente, mas ao surgimento de figuras fora do campo político. Serve para outros nomes chamados de outsiders.

• Discute-se uma proposta de semipresid­encialismo. Alguns partidos de esquerda disseram que é golpe. O que acha?

Eu defendo o parlamenta­rismo. Com 28 partidos no Congresso, seria inviável. Seria queimar uma bela saída para o Brasil.

• Como vê a possibilid­ade de o Supremo restringir o foro privilegia­do?

O foro vai acabar. É uma tendência natural. Defendo que acabe para todo mundo. Conversei com o presidente (da Câmara) Rodrigo Maia (DEM-RJ) sobre isso. Ele acha que até o fim de março será votado na Câmara.

 ?? KEINY ANDRADE/ESTADÃO – 21.10.2009 ?? Juntos. Aécio e Lula em 2009 durante evento; tucano e petista mantinham relação próxima
KEINY ANDRADE/ESTADÃO – 21.10.2009 Juntos. Aécio e Lula em 2009 durante evento; tucano e petista mantinham relação próxima

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