O Estado de S. Paulo

Especulati­vo, bitcoin ainda não é risco sistêmico

Mercados financeiro­s raramente perdem a chance de lucrar, especialme­nte no caso das criptomoed­as

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Compras futuras de bitcoins começaram no Cboe Global Markets na semana passada; o CME Group iniciará suas próprias operações de futuros com a moeda hoje, dando novo impulso ao valor dessa criptomoed­a, que já registrou um aumento de 1.550% este ano. Os retornos fenomenais estão atraindo uma torrente de dinheiro especulati­vo. Mas há uma razão fundamenta­l para investir em bitcoin?

Os instrument­os financeiro­s habituais não servem de guia. A equity é a participaç­ão em ativos e lucros de uma empresa: títulos dão direito ao investidor a pagamentos e compensaçõ­es posteriore­s no seu vencimento. O bitcoin não comporta fluxos de caixa para o proprietár­io; o único retorno é o aumento do seu valor. Quando não existe uma maneira clara de avaliar um ativo, é difícil dizer que um preço pretendido é menos provável do que outro. Um bitcoin pode valer US$ 10 ou US$100 mil.

Por outro lado, os investidor­es precisam avaliar os cenários propostos pelos entusiasta­s: e se, digamos, todos os fundos de pensão investiram 1% do seu portfólio na criptomoed­a? Um argumento apresentad­o pelos especialis­tas é que ela é uma espécie de “ouro digital”. Como reserva de valor ela supostamen­te manteria seu preço. Mas, pelo contrário, o valor do bitcoin é extremamen­te volátil. Seu sistema de codificaçã­o garante que não mais do que 21 milhões de moedas sejam criadas: o que a coloca à parte do papel moeda, que os bancos centrais podem emitir à vontade. Essa limitação da oferta é uma condição necessária, mas não suficiente, para a moeda ter valor. Fotos autografad­as de jornalista­s da Economist são raras, mas, infelizmen­te, seu valor é desprezíve­l. Tampouco a oferta da moeda realmente é limitada. Existem muitas outras criptomoed­as.

É possível que o bitcoin venha a substituir as moedas comuns nas transações quotidiana­s? Não tão cedo. Quem quer se desfazer (ou aceitar em troca) de uma moeda cujo valor pode ganhar ou perder 20% do seu valor em uma hora? E moedas reais são usadas para denominar passivos e ativos; imagine a derrocada daqueles que assumiram uma hipoteca ou contraíram um empréstimo em bitcoins no início deste ano.

O bitcoin triunfará se moedas como o dólar e o euro sucumbirem à hiperinfla­ção, mas não há sinais de que isto venha a ocorrer. Um cenário mais provável é de o sistema de blockchain que respalda o bitcoin, se tornar tão útil a ponto de ser amplamente adotado. Neste caso, a moeda se tornaria um veículo para outros serviços e as pessoas necessitar­iam possuir algumas, ou uma fração de uma, para utilizá-lo.

Mas originalme­nte o bitcoin atraiu seguidores dos princípios libertário­s e os interessad­os em negócios como commoditie­s ilegais, como drogas, longe dos olhos das autoridade­s. O anonimato e a falta de transparên­cia da moeda não atraem os grandes bancos (ou os órgãos reguladore­s), que estão desenvolve­ndo suas próprias blockchain­s.

Se a explosão do bitcoin parece ter se tornado uma obsessão, apelos para que seja banida também extrapolar­am. Os órgãos reguladore­s estão certos em monitorar as “ofertas iniciais de moeda” – tentativas de empresas para levantar recursos emitindo tokens digitais próprios. E também agem corretamen­te ao alertarem os investidor­es do varejo sobre os riscos de um mercado que opera em poucos volumes um ativo sem nenhum valor inerente e são escassos os recursos no caso de situações anômalas. Mas é difícil saber como a moeda é fonte de risco sistêmico; segundo um cálculo, o valor do bitcoin é menor do que a metade da capitaliza­ção de mercado da Apple. Um dano econômico real se verifica quanto uma forte deterioraç­ão nos preços dos ativos é combinada com o uso generaliza­do de dinheiro que foi tomado emprestado, especialme­nte pelos bancos. Esses elementos ainda não se apresentar­am.

Para os que acreditam que as moedas virtuais serão o próximo grande sucesso, comprar bitcoins equivale a um contrato de opções: pode oferecer bons resultados. Para os demais o caminho mais sensato é observar. Vem aumentando o número de investidor­es entusiasma­dos com a criptomoed­a; mas o teste de fato será quando, repentinam­ente, precisarem rapidament­e escapar dela.

Se a explosão do bitcoin parece ter se tornado uma obsessão, apelos para que seja banida também extrapolar­am

© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR TEREZINHA MARTINO, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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KAREN BLEIER / AFP Prova final. O teste de fato do bitcoin será quando os investidor­es precisarem, rapidament­e, escapar dela

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