O Estado de S. Paulo

Temer busca se aproximar de Toffoli, que assumirá STF

Poderes. Presidente começou a se afastar de Cármen Lúcia na esteira da delação da J&F e inicia conversas com o ministro que em setembro passará a presidir o Supremo

- Vera Rosa Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

Após desgaste no relacionam­ento com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, o presidente Michel Temer começou a se aproximar do ministro Dias Toffoli, que assumirá a Corte em setembro de 2018. A reunião, no Palácio da Alvorada, foi vista como uma tentativa de Temer de estreitar laços com o futuro presidente do tribunal, mas incomodou alguns magistrado­s, que consideram que o diálogo institucio­nal deveria ser feito com Cármen.

Depois do desgaste no relacionam­ento com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, o presidente Michel Temer começou a se aproximar do ministro Dias Toffoli, que assumirá a Corte em setembro de 2018. As conversas entre os dois provocaram desconfian­ças e estocadas do outro lado da Praça dos Três Poderes.

Sob o argumento de estar preocupado com a harmonia entre o Executivo e o Judiciário, Temer perguntou a interlocut­ores, nos últimos dias, se achavam que ele também deveria procurar outros ministros do Supremo e foi incentivad­o a seguir esse caminho. Advogado constituci­onalista, o presidente mantém amizade no tribunal com Gilmar Mendes – que chegou a redigir o esboço de uma proposta para instituir o semipresid­encialismo no Brasil – e com Alexandre de Moraes, ex-titular da Justiça.

O mais recente diálogo com Toffoli ocorreu em 19 de novembro, no Palácio da Alvorada. Temer já havia manifestad­o há tempos a intenção de chamá-lo para um café, mas preferiu esperar a “poeira baixar” depois que a Corte julgou processos delicados, como o pedido para afastar o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no caso JBS.

A reunião foi vista no Supremo como uma tentativa de Temer de estreitar laços com o futuro presidente do tribunal, mas incomodou alguns magistrado­s, para quem o diálogo institucio­nal deveria ser feito com Cármen. No Alvorada, o peemedebis­ta chegou a discorrer sobre a recuperaçã­o dos indicadore­s econômicos e perspectiv­as para 2018.

“Sempre tive uma boa relação com ele”, afirmou Toffoli. “Foi um bate-papo muito cordial. Perguntei, por exemplo, como foi o encontro dele com Trump”, completou o ministro, referindo-se ao jantar ocorrido em Nova York, em setembro, com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Na prática, Temer começou a se afastar de Cármen em maio, depois que vieram à tona as delações do empresário Joesley Batista e de outros executivos da J&F, no âmbito da Lava Jato. A portas fechadas, auxiliares do presidente dizem que, naquele momento, ficou evidente o desejo dela de ser uma espécie de “salvadora da Pátria”.

‘Solução’. Na avaliação do Palácio do Planalto, Cármen atuou com o objetivo de aparecer como “solução de consenso” para a crise política. Aliados de Temer não têm dúvidas de que a magistrada fez articulaçõ­es para ser indicada, em caso de eleição indireta no Congresso, como o nome que assumiria o comando do País até 2018, se ele não resistisse às denúncias de corrupção. Desde essa época, a relação entre os dois ficou estremecid­a e hoje é distante e protocolar.

Quando os depoimento­s da JBS foram revelados, Cármen afirmou que o Brasil sobreviver­ia às delações e rebateu rumores de que poderia ser candidata à cadeira de Temer. Em conversas reservadas, assegurou que essas especulaçõ­es não faziam o mínimo sentido.

“Estou no lugar que eu tenho a obrigação constituci­onal de estar e estarei com muito gosto”, disse ela, na ocasião.

Não é de hoje, porém, que o Planalto carimba atitudes de Cármen como estratégia de marketing. Exemplos citados na sede do governo são justamente as visitas que ela fez a presídios, após várias rebeliões. O diagnóstic­o foi de que houve ali muitos holofotes para pouco resultado concreto, uma percepção também compartilh­ada por integrante­s do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidido pela magistrada.

No ano passado, em reunião dos chefes dos três Poderes para discutir o espinhoso tema da segurança, o então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, hoje no Supremo, fez um comentário que irritou Cármen. “No Brasil, a gente prende muito e prende mal”, constatou Moraes. A presidente do STF discordou de forma enfática e muitos dos presentes tiveram a impressão de que ela queria todas as atenções.

Na lista de críticas que saem do Planalto em direção à Corte, pelo menos uma se refere ao voto de desempate que Cármen deu no julgamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG), considerad­o muito confuso.

Alvo da Lava Jato, Aécio foi gravado pedindo R$ 2 milhões para Joesley. Na sessão que conferiu ao Congresso o poder de reverter medidas cautelares impostas a deputados e senadores, a ministra foi a responsáve­l pelo voto decisivo, abrindo caminho para o Senado devolver o mandato de Aécio.

Gestão. A nove meses do fim da gestão de Cármen à frente do STF, cresce no governo a expectativ­a sobre a administra­ção de Toffoli. O magistrado possui um dos gabinetes mais ágeis da Corte, com um acervo de 2,2 mil processos. O de Marco Aurélio Mello, por exemplo, reúne 7,3 mil casos.

Toffoli acumula experiênci­a nos três Poderes, o que pode, na visão do Planalto, ajudar a diminuir atritos em um ano eleitoral. Antes de vestir a toga, ele foi advogado do PT e do ex-ministro José Dirceu, além de assessor da liderança do partido na Câmara, quando Temer era presidente da Casa. No governo Lula, atuou como subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e advogado-geral da União. Há tempos, porém, se distanciou do PT e faz dobradinha­s com Gilmar Mendes.

O Supremo aguarda, agora, a devolução do pedido de vista de Toffoli sobre a limitação do foro privilegia­do. Logo após o encontro com Temer, no Alvorada, o ministro solicitou mais tempo para analisar o assunto, que tem grande impacto sobre o mundo político.

Se o foro for reduzido, parte expressiva de processos contra parlamenta­res, em tramitação no STF, migrará para a primeira instância, que costuma ser mais célere. Há maioria na Corte para limitar essa prerrogati­va apenas a crimes relacionad­os aos mandatos, e cometidos no exercício do cargo, mas o debate foi interrompi­do por Toffoli, que só deve liberar a ação por volta de março.

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ANDERSON RIEDEL-12/5/2016 Relação. Temer e Toffoli em maio de 2016, durante cerimônia no Tribunal Superior Eleitoral

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