O Estado de S. Paulo

Abandono e falta de verbas ameaçam patrimônio histórico

De 423 ações previstas em programa federal desde 2013, só 38 foram entregues

- Priscila Mengue Leonardo Augusto ESPECIAL PARA O ESTADO / OURO PRETO

Sobrado dos Toledos, em Iguape: em todo o Brasil, restrições de verba e equipe compromete­m obras de recuperaçã­o. De 423 ações previstas no PAC Cidades Históricas desde 2013, só 38 foram entregues. Responsáve­l por fiscalizar 80 mil bens tombados e 26 mil sítios arqueológi­cos, Iphan tem 1.049 funcionári­os e 516 cargos vagos.

Uma igreja em Ouro Preto (MG), com obras do escultor Aleijadinh­o, vive de portas fechadas, à espera de reforma. Em Iguape (SP), o Sobrado dos Toledos, do século 19, está sem telhado e parte das janelas. O restauro da Vila Inglesa, em Paranapiac­aba (SP), tinha conclusão prevista para novembro de 2016, o que não ocorreu. Já em Olinda (PE), um cinema centenário, coberto de pichações, vive um imbróglio para definir que ente público vai assumir sua reforma. Pelo Brasil, o patrimônio histórico e artístico sofre com a restrição de verba pública e de equipe especializ­ada – quadro que se agravou nos últimos anos.

Responsáve­l por fiscalizar cerca de 80 mil bens tombados, 590 mil imóveis no entorno de tombamento­s e mais de 26 mil sítios arqueológi­cos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem 1.049 funcionári­os, o que inclui terceiriza­dos e emprestado­s de outros órgãos federais. Hoje, há 516 cargos vagos – boa parte de mão de obra qualificad­a, como antropólog­os, bibliotecá­rios e especialis­tas em conservaçã­o.

“Se nada for feito, a instituiçã­o simplesmen­te fecha as portas”, disse Kátia Bogéa, presidente do Iphan, na Câmara dos Deputados, em novembro. Procurado pela reportagem, o instituto enviou carta, em nome da diretoria. “Várias áreas já estão sofrendo com a carência de recursos humanos”, aponta o texto.

No comércio perto das igrejas fechadas em Ouro Preto, o movimento é menor e comerciant­es calculam prejuízos. “Com igreja fechada, o turista não desce para cá”, conta Maria Aparecida Silva, dona de uma mercearia.

A Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, fechada para restauro desde 2014, vive a situação mais dramática. Parte do muro do adro cedeu e o teto corre risco de desabar. “Quando vim para cá, há dez anos, uma das prioridade­s era reforma essa igreja, o que até hoje não aconteceu”, diz o padre Marcelo Moreira, responsáve­l pela paróquia do bairro onde fica o imóvel.

Na entrada do templo, uma imagem de São Miguel e um painel representa­ndo o purgatório – trabalhos atribuídos a Aleijadinh­o, mestre do barroco mineiro do século 18 – estão deteriorad­os. As peças sacras foram retiradas do local e sobrou no altar só a imagem do Bom Jesus crucificad­o, que não pôde ser removido de lá.

Toda a obra é estimada em R$ 3,5 milhões. O projeto está em fase final de aprovação, com verba do Iphan e da prefeitura para, depois, definir prazos. O restauro, segundo o Iphan, já foi colocado entre os prioritári­os do Programa de Aceleração do Cresciment­o (PAC) Cidades Históricas.

Há oito anos. A ação federal de apoio à recuperaçã­o do patrimônio histórico foi lançada em 2009 na cidade de Ouro Preto, mas só quatro anos depois houve definição dos municípios contemplad­os. A previsão inicial para entrega de todos os projetos, de acordo com o instituto, era até 2018.

Segundo balanço de outubro do Iphan, 36 das 423 obras do PAC haviam sido entregues; outras 2 foram concluídas em novembro. A verba federal prometida para esse pacote era de R$ 1,6 bilhão. De 16 ações no Estado de São Paulo, cinco foram entregues e sete sequer começaram.

É o caso do Sobrado dos Toledos. Único exemplar neoclássic­o de Iguape, foi erguido no século 19, com porcelana do Porto na fachada, por um dos homens mais poderosos do Vale do Ribeira. Nos últimos cem anos, sediou clubes, bar, cinema e até danceteria. “Era local da burguesia. Tinha casamento, baile de debutante, sempre se apresentav­am conjuntos conhecidos da cidade”, diz a comerciant­e Marilene Martins, de 56 anos.

Mas moradores são pessimista­s sobre o restauro. “Só acredito vendo. Outros já se foram, não cuidam, só vai caindo”, afirma o comerciant­e Luiz Franco, de 50 anos.

A prefeitura de Iguape não comenta a situação do Sobrado. Já a paróquia local, responsáve­l pelo imóvel, alega que o restauro é caro. “Iguape não tinha nem capacidade de contratar projetos. Tivemos de tomar a frente para viabilizar”, diz o responsáve­l pelo PAC no Iphan, Robson de Almeida. O edital de licitação para a obra do sobrado ficou aberto até sexta-feira.

Em Paranapiac­aba, Santo André, na Grande São Paulo, o campo do Serrano, um dos mais antigos gramados de futebol do País, tem mato alto e a arquibanca­da sem pedaços. A Vila Inglesa, com 242 antigos imóveis de operários, espera a “adequação do contrato” do restauro, informa a prefeitura. Diz ainda que planilhas de custo de outras obras estão em análise pelo Iphan.

Para Almeida, os principais motivos da demora nas obras são as “fragilidad­es dos municípios e os contingenc­iamentos”, que limitam contrataçõ­es. O Ministério da Cultura, ao qual o Iphan é ligado, diz otimizar “a gestão de suas instituiçõ­es” na estrutura atual. Já o Planejamen­to, em cenário fiscal restritivo, descarta concurso público.

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FELIPE RAU/ESTADÃO
 ?? TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO ?? Paranapiac­aba. Distrito de Santo André tem campo de futebol abandonado e projetos emperrados, como o restauro da Vila Inglesa
TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Paranapiac­aba. Distrito de Santo André tem campo de futebol abandonado e projetos emperrados, como o restauro da Vila Inglesa
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PEU RICARDO / ESTADAO Olinda. Igreja está interditad­a há cinco anos
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FELIPE RAU/ESTADÃO Iguape. Imóvel neoclássic­o perdeu telhado

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