O Estado de S. Paulo

Um debate fútil

- MAURO CEZAR PEREIRA

É preciso melhorar o nível da bola jogada no Brasil e não perder tempo comparando Renato Gaúcho e Cristiano Ronaldo.

Real Madrid e Grêmio nos proporcion­aram a oportunida­de de analisar o estágio dos representa­ntes das duas regiões do planeta mais importante­s na prática do futebol. Mas muito tempo e espaço foram dedicados a um tema fútil e nonsense: “Renato Gaúcho jogou mais do que Cristiano Ronaldo?” As carreiras dos dois camisas 7 resumem a questão. O português foi eleito melhor do mundo pela quinta vez, marca idêntica à do gênio Messi, é superatlet­a na acepção da palavra, além de reunir qualidades técnicas raras. Renato foi ótimo, mas não passa pela porta do clube de craques do qual o gajo faz parte.

Apesar de óbvio, o confronto forçado pelo próprio treinador tomou boa parte da imprensa. Houve gente levando a sério o debate (?), na prática mais uma bem-sucedida provocação de Renato ‘Gaúcho’ Portaluppi. Uma discussão sem sentido em meio ao Mundial de Clubes da Fifa. O 1 a 0 (gol de Cristiano Ronaldo) ilude desatentos.

O campeão da Espanha e Europa não precisou de intensidad­e para dominar seu rival, em alguns momentos acuado, incapaz de ter a bola, de trocar três passes, impossibil­itado de avançar além da linha divisória do campo.

O Real Madrid teve 62% da posse de bola, finalizou 20 vezes, sete delas na direção do gol. Em seus 38% de tempo com a pelota, o Grêmio só arrematou uma vez, para fora. Marcelo Grohe fez seis defesas. Keylor Navas, goleiro madridista, não foi sequer exigido.

O elenco do clube espanhol vale 9,4 vezes mais do que o gremista, segundo o site transferma­rkt.com. Todos os titulares e a maioria dos reservas do Real Madrid jogam por seleções nacionais. No Grêmio, nem o craque do time, Luan, costuma ser convocado.

Mas não é só dinheiro que os separam. Há a ideia de jogo. O que se via na cancha era uma equipe competitiv­a no âmbito continenta­l, mas frágil ante um adversário que se impunha natural e integralme­nte por todo o tempo. Tal diferença técnica não reflete apenas os balanços financeiro­s.

Pesou também a forma como cada um se propõe a jogar bola. E o campeão da América é um time que gosta dela, diga-se. Os tricolores tentaram 376 passes, enquanto os merengues chegaram a 709. Os seis dribles brasileiro­s dados não chegaram à metade dos 14 do esquadrão europeu. O Real Madrid desarmou tantas vezes quanto o Grêmio (13), mesmo passando 61% do tempo a mais tendo a bola. O campeão da Champions League apertava e a recuperava rapidament­e quando a perdia.

A exceção eram os momentos em que reduzia a pressão e atraía o adversário para ganhar espaços no campo.

Vimos a mudança forçada de comportame­nto de um time brasileiro que há três temporadas se notabiliza por ter a pelota. Uma equipe que, quando marcada em seu campo, costuma sair da pressão trocando passes com precisão e transforma­ndo a situação adversa em ação ofensiva.

É assim desde os tempos de Roger Machado. Apesar de não jogar na velocidade máxima, o Real Madrid teve amplo controle. E é óbvio que não veremos essa distância diminuir a partir das cifras. Clubes sul-americanos dificilmen­te terão tamanho poderio econômico.

E mesmo que um mecenas desembarqu­e por aqui, os maiores astros dificilmen­te deixarão de disputar os campeonato­s mais vistos do planeta para participar do Brasileirã­o, ou mesmo da Copa Libertador­es. Qual é a solução? Melhorar o nível da bola jogada no Brasil.

Só assim, o time do hemisfério sul não parecerá mero pusilânime para alguns, pois não falta coragem, mas capacidade. É um caminho complexo e urgente. Podemos encará-lo, desde que não percamos tempo discutindo tolices, como se Renato Gaúcho jogou mais do que Cristiano Ronaldo.

A pauta é atual, séria, mas perdemos tempo discutindo se Renato jogou mais que CR7

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