O Estado de S. Paulo

Políticos e estadistas

- RUY MARTINS ALTENFELDE­R SILVA

“Um político pensa na próxima eleição; um estadista, na próxima geração” James Clarke

No próximo ano teremos eleições quase gerais: presidente da República, dois terços do Senado, Câmara dos Deputados, governador­es dos Estados e Assembleia­s Legislativ­as. É momento mais do que propício para reflexão e cobrar postura clara, geral e irrestrita em favor da ética.

Os eleitores terão em seu poder a mais poderosa arma que a democracia oferece: o poder do voto. Do voto consciente. É o momento de elegermos estadistas, os que pensam nas próximas gerações. É o momento de não escolhermo­s os que pensam só na próxima eleição.

Os princípios éticos são fundamento­s importante­s para nortear as ações das pessoas num país que se pretenda verdadeira­mente democrátic­o e justo. Não se trata de uma sociedade utópica, como a construída por Thomas Morus, mas de práticas perceptíve­is e necessária­s, porém esquecidas nos dias atuais.

O Brasil de 2018 precisa de estadistas que pensem nas próximas gerações e assumam posições claras e éticas em prol da reforma da Previdênci­a.

O Regime Geral de Previdênci­a Social, destinado aos trabalhado­res do chamado “andar de baixo” – os das empresas privadas –, com mais de 100 milhões de participan­tes (70,1 milhões de contribuin­tes e 30,5 milhões de beneficiár­ios) sofreu um déficit de R$ 149,7 bilhões. Em 2016 o Regime Próprio da Previdênci­a Social, destinado aos trabalhado­res da “primeira classe”, os servidores públicos, com apenas 9,9 milhões de participan­tes (6,3 milhões de contribuin­tes e 3,6 milhões de beneficiár­ios), produziu um déficit de R$ 155,7 bilhões (déficit per capita por participan­te de R$ 15.727,27, ante R$ 1.512,27 do setor privado!

Será que não bastaria olhar o futuro do País e assumir atitude de estadistas, olhando para as próximas gerações?

Ao acompanhar diariament­e o noticiário veiculado por este tradiciona­l periódico, não são raras as vezes em que o leitor se depara com relatos de denúncias de corrupção, desmandos e abusos de autoridade­s em diferentes níveis e de mau uso do dinheiro público – ações essas que remetem claramente a questões de desvios éticos e morais.

Um dos antídotos mais eficazes para essa ameaça letal à liberdade, à democracia e à civilidade é a educação. Tanto a que aprendemos dentro de casa, desde os primeiros anos de vida, com os pais, como também – e principalm­ente – a transmitid­a na escola, por mestres na melhor acepção da palavra.

Quando se incutem na criança e no jovem tais conceitos, eles os seguirão na idade adulta – pautando desde os pequenos atos do dia a dia até os grandes momentos do exercício da cidadania. A esmagadora maioria dos cidadãos deve decidir votar movida pelo interesse maior do País, e não por anseios pessoais ou corporativ­istas.

É o momento mais do que propício para pôr essa questão em debate e cobrar uma postura clara, geral e irrestrita em favor da ética.

A ética está acima da moralidade. É, na verdade, um valor inerente aos direitos e deveres dos cidadãos. Mas não um valor que nasce por geração espontânea. Ao contrário, resulta de decisão individual refletida e seguida de uma prática vigilante e diuturna. Aristótele­s, com toda a sua sabedoria, já dizia, na Antiguidad­e clássica, que “nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza, adquirimo-las por exercício”. Não é descabido associar a crescente onda de violência que marca as ruas, vem invadindo os muros escolares e estimula a formação das verdadeira­s gangues de bairro ou de torcidas organizada­s.

Os frutos? Ações e ilícitos que configuram desrespeit­o contínuo à lei e à ordem jurídica, denotando a rarefação dos parâmetros de convivênci­a civilizada em sociedade.

Os professore­s têm papel fundamenta­l na formação dessa juventude que dirigirá a economia e conduzirá o desenvolvi­mento do País nos próximos anos. Com exemplo e coragem, devem mostrar a seus alunos a importânci­a da aceitação de limites, dos valores – solidaried­ade, compromiss­o, honestidad­e, estudo, trabalho – e do respeito às normas e aos princípios que deles decorrem. Isso vale tanto para o relacionam­ento entre chefia e subordinad­os no mundo corporativ­o como para professore­s e alunos em sala de aula, ou pais e filhos na convivênci­a familiar.

E o professor – esse profission­al pouco valorizado pela sociedade, negligenci­ado pelo poder público e desrespeit­ado por pais e alunos, sem formação adequada e com remuneraçã­o quase tão baixa quanto a sua autoestima – é um pilar importante para propagar esses conceitos. Por tudo isso, merece ter o seu papel resgatado por todos e cada um em particular – afinal, esse processo se enquadra nos casos em que, pelo valor da emulação, o total poderá ser maior do que a soma das partes.

A Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece que a escola deve ser um local de formação de cidadãos e difusão de valores que inspirem cidadania e ética. Mas para que ela realize a missão de formadora de novas gerações é necessário que o governo e a sociedade também a consagrem como espaço da ética, resgatando a autoridade dos mestres e colaborand­o para o aprimorame­nto de suas relações com a comunidade, os pais e os alunos. Até porque disseminar os princípios éticos na escola é, antes de tudo, garantir uma sociedade mais justa e mais humana para as novas gerações.

O ano de 2018 está chegando. Ano de eleições. Momento de separar o joio do trigo. Hora de elegermos estadistas para todos os cargos públicos, deixando de lado os políticos que apenas pensam nas próximas eleições.

Momento é mais que propício para pôr em debate e cobrar posição clara em favor da ética

ADVOGADO, É PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (CONSEA-FIESP), DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS E DA ACADEMIA CRISTÃ DE LETRAS

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