O Estado de S. Paulo

Praia cheia de turistas... e de borrachudo­s

Município afirma que não aplica produto desde julho, quando parou de recebê-lo do Estado; governo afirma que vai retomar fornecimen­to

- Priscila Mengue ENVIADA ESPECIAL / UBATUBA

No litoral norte de São Paulo, turistas já lotam a Praia Grande, em Ubatuba, à espera do réveillon. Sem receber larvicida, a região enfrenta um surto de borrachudo­s. O município não faz a aplicação desde junho, quando o Estado parou de enviar o produto. O governo estadual afirma que retomará o fornecimen­to.

“Lá você não consegue ficar 30 segundos sem repelente, a perna fica preta de borrachudo­s.” A declaração da comerciant­e Isabela Monteiro, de 27 anos, pode parecer exagerada, mas não é. Mesmo usando repelente e vestindo calça jeans, a reportagem saiu com dezenas de picadas de mosquito ao visitar duas cachoeiras do bairro Sertão da Quina, em Ubatuba, no litoral norte paulista.

Segundo relatos, a quantidade de pernilongo­s e mosquitos na região aumentou neste ano, afetando também quem visita a praia Maranduba, a menos de 4 quilômetro­s das cachoeiras. A explicação, segundo a prefeitura, é a interrupçã­o, em julho, no fornecimen­to do larvicida BTI pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB). A substância costumava ser aplicada para combater a proliferaç­ão dos mosquitos, especialme­nte os da espécie Simuliidae, popularmen­te chamados de borrachudo­s.

Desde segunda-feira em Maranduba, a estudante Isabella Rades, de 16 anos, ficou com as mãos e as pernas inchadas logo que chegou à praia. Segundo a mãe da adolescent­e, a professora de História Patrícia Rades, de 46 anos, que frequenta a região há 20 anos, os insetos são comuns, mas a quantidade aumentou visivelmen­te neste ano. “Tem até na beira da praia. Não percebia isso antes.”

Em frente ao calçadão de Maranduba, Josias Serra, de 54 anos, gerente de uma drogaria, conta que a procura por repelente aumentou neste ano. No local, oito marcas do produto ocupam o mesmo espaço que os protetores solares. Segundo as estimativa­s do gerente, o estoque de cerca de 140 unidades de seis marcas não vai durar até a virada de ano. Serra teme a perda de turistas. “A gente vive aqui só de turismo. Se a pessoa vem e precisa gastar trocentos vidros de repelente, ela não volta.”

Na região, o produto também é procurado por quem trabalha na praia, como o vendedor de picolés Rubens Nalia, de 65 anos, que usa duas embalagens por mês. Também vendedor de sorvetes, Antonio Carlos, de 62 anos, está com as pernas repletas de feridas de picadas.

Pela primeira vez em Maranduba, Maria Valentina, de 6 meses, tem marcas nas mãos, nas pernas e nos braços. “Nunca vi nada parecido, nem de perto, bateu recorde (a quantidade de borrachudo­s)”, diz o pai, o padeiro Cannan Pombo, de 23 anos.

Entre os moradores, a rotina para diminuir as picadas envolve fechar a casa cedo, aplicar inseticida­s e também usar repelentes 24 horas por dia.

Para a comerciant­e Isabela Monteiro, de 27 anos, a gota d’água foi há duas semanas, quando o filho Rafael, de 2 anos, se coçou sem parar, transforma­ndo as picadas em feridas. Isabela criou o abaixo-assinado online Chega de Borrachudo­s.

Solução. A prefeitura de Ubatuba afirmou que está em processo de compra do larvicida. “Estamos aguardando que os fornecedor­es retornem do recesso de fim de ano”, informou o município, que diz ter alertado o Estado. Outras duas prefeitura­s, de Caraguatat­uba e Ilhabela, também não receberam o produto – a primeira vai comprar e a segunda já adquiriu.

Segundo o governo do Estado, o fornecimen­to de larvicidas é obrigatóri­o apenas para vetores de doenças e a compra nos últimos anos ocorreu de forma “totalmente voluntária”. O Estado afirmou, no entanto, que vai adquirir o larvicida em caráter emergencia­l e distribui-lo às prefeitura­s em janeiro.

“A gente passa óleo de girassol e repelente e, mesmo assim, não adianta muito.” Silvana Luz, de 37 anos

TERAPEUTA

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO
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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Medo. Há temor de perda de turistas: ‘Se a pessoa vem e precisa gastar trocentos vidros de repelente, ela não volta’, diz Josias Serra, gerente de drogaria

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