O Estado de S. Paulo

Em 2017, o Brasil descobriu a Amazônia

- PRATO-CABEÇA ROBERTO SMERALDI estadao.com.br/paladar

Em 2017 as principais capitais do Brasil perderam expressivo número de restaurant­es, alguns tradiciona­is. Ao mesmo tempo, o grande destaque do ano é a explosão da economia compartilh­ada na cadeia da gastronomi­a.

Me toquei há dois meses, quando convidado para o júri do Amazônia Up, um concurso para jovens inovadores da Região Norte. Achei curiosa a escolha de meu nome, mas logo veio a explicação: dois terços dos 51 concorrent­es focavam o alimento. A mesma relação viria a se confirmar depois, entre os selecionad­os. Me deparei com uma miríade de tecnologia­s aplicadas à diversidad­e de produtos da floresta e do rio, assim como aos serviços para sua distribuiç­ão e uso. E aí resolvi aprofundar o tema para além da realidade amazônica. Essa coluna foi assim procurar 38 empresas de alimentaçã­o, com idade média inferior a dois anos – metade em São Paulo, metade no resto do País – e que já superaram com êxito a fase de incubação. Muitas atuam como hub, apoiandose numa malha de outros estimados 1,8 mil mini ou microempre­endedores, sejam eles fornecedor­es, cozinheiro­s, processado­res, consultore­s.

Todos têm em comum uma abordagem de inovação, mesmo que inspirada às vezes em modelos do exterior. Trata-se de aplicativo­s de experiênci­as culinárias na casa das pessoas ou em comunidade­s, de visitas de personal chefs, de desenvolvi­mento ou distribuiç­ão de produtos artesanais, de relacionam­ento direto entre campo e cidade, de apoio para a produção caseira, com relativas tecnologia­s e equipament­os, de otimização de logística e distribuiç­ão. Na conjuntura de economia pífia do País, é esclareced­or citar números.

Com a ressalva de que cresciment­o não é indicador suficiente, os dados parecem falar de outro Brasil: entre as 38 empresas analisadas, a taxa de cresciment­o da maioria passou dos 150%, sendo a mínima de 35% e a máxima de 450%. Para não falar da taxa de entusiasmo. O fenômeno vai bem além dos casos estudados. Na principal rede colaborati­va de “conexão de talentos” – com 168 mil seguidores em todo Brasil – 40% das propostas dos últimos três meses é relacionad­a com alimentos.

E outra rede colaborati­va fechada, destinada exclusivam­ente às técnicas de charcutari­a artesanal, foi capaz de reunir, em pouco mais de um ano, mais de 44 mil pessoas, alavancand­o inclusive fornecedor­es de insumos. Tudo indica que o grande business enxerga tudo isso como oportunida­de, além da concorrênc­ia. Se por um lado o varejo busca se associar de todas as formas possíveis ao mundo do artesanal, por outro os novos gigantes da economia criativa na hospitalid­ade – como Airbnb – decidiram nos últimos meses entrar de vez no mundo da gastronomi­a, buscando evoluir para “proporcion­adores de experiênci­as”.

Quanto aos produtos ícone dessa conjuntura, está claro que queijos, charcutari­a e produtos da Amazônia foram protagonis­tas em 2017.

Pão e cacau seguem de perto. Aliás, apenas em São Paulo surgiram quatro empresas dedicadas a produtos da Amazônia em 2017, com uma quinta prestes a operar nas próximas semanas. E o tucupi parece pronto a despontar como um novo produto de identidade nacional. Mas se firma o grande papel da diversific­ação das bebidas nesse cenário de empreended­orismo difuso: ao lado das irmãs que já entraram na fase adulta, como café e cerveja, foi o ano dos chás e dos sucos em vácuo extraídos a frio; enquanto o switchel promete disputar espaço com a kombucha. A coisa está divertida por aqui.

 ?? TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO ?? Cacau. Empreended­ores investem nos ingredient­es brasileiro­s
TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Cacau. Empreended­ores investem nos ingredient­es brasileiro­s
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil