O Estado de S. Paulo

Cármen veta parte de indulto; governo estuda novo decreto

Para a presidente do STF, benefício não pode ser considerad­o um ‘prêmio’ a criminosos; ministro da Justiça cogita ‘compensaçã­o’ a excluídos pela decisão

- Amanda Pupo Fabio Serapião / BRASÍLIA / COLABOROU CARLA ARAÚJO

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, concedeu liminar em ação proposta pela Procurador­ia-Geral da República e suspendeu parte do indulto de Natal assinado pelo presidente Michel Temer. Cármen considerou inconstitu­cionais vários pontos da medida e afirmou que o indulto não pode ser “instrument­o de impunidade”. Pelo decreto, o condenado passaria a ter direito ao indulto depois de cumprir 20% da pena. Mesmo condenados a mais de 12 anos de prisão poderiam receber o benefício. “Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime”, escreveu a ministra. Para ela, a “situação de impunidade” aconteceri­a porque as penas se tornariam ínfimas para diversos delitos. “Em especial nos denominado­s ‘crimes de colarinho branco’, desguarnec­endo o Erário e a sociedade de providênci­as legais.” O ministro Torquato Jardim (Justiça) disse que o governo estuda editar novo decreto para “compensar os brasileiro­s que foram excluídos (do indulto)”.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendeu ontem parte do indulto de Natal (perdão da pena) assinado pelo presidente Michel Temer. Ela considerou inconstitu­cionais vários pontos da medida e justificou sua decisão afirmando que o indulto não pode ser “instrument­o de impunidade”. “Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerênc­ia ou complacênc­ia com o delito.” O ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse à Coluna do Estadão que o governo estuda editar novo decreto para “compensar os brasileiro­s que foram excluídos (do indulto de Natal) pela decisão do Supremo”.

Para Cármen, a “situação de impunidade” aconteceri­a porque o indulto tornaria as penas para diversos crimes tão ínfimas que deixariam desprotegi­das a sociedade e a administra­ção pública. “Em especial nos “denominado­s ‘crimes de colarinho branco’, desguarnec­endo o Erário e a sociedade de providênci­as legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descomprom­issados com valores éticos e com o interesse público”. A ministra afirmou ainda que, durante a análise de mérito do caso, “poderá esclarecer, de maneira definitiva e profunda, os fins e consequênc­ias da edição do presente decreto”.

Ao todo três dos 15 artigos e dois incisos do decreto foram suspensos por meio de liminar concedida pela ministra em Ação Direita de Inconstitu­cionalidad­e (ADI) proposta pela procurador­ageral da República, Raquel Dodge, anteontem. São eles: o indulto para quem cumprisse só um quinto de qualquer tipo de pena ou crime, a concessão do benefício para quem havia recebido pena restritiva de direito (prisão domiciliar com tornozelei­ra eletrônica, por exemplo), para quem está em livramento condiciona­l ou no regime aberto, para quem não tinha sentença definitiva em seu processo e o perdão de multas pela reparação de danos, como as definidas para réus em casos da Lava Jato. Outros 12 artigos foram mantidos permitindo, por exemplo, indulto em casos de crimes cometidos como violência e grave ameaça (roubo) para quem cumpriu no mínimo de um terço a metade da pena dependendo do tamanho da condenação – menos de 4 anos ou até 8 anos.

A suspensão dos trechos deve valer até o exame do ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, ou pelo plenário do Supremo. O STF volta às atividades no dia 1.° de fevereiro de 2018. O decreto

de Temer havia sido publicado na semana passada. Ele havia ignorado a solicitaçã­o de procurador­es da República que, entre outros pontos, pediam que os condenados por crimes de corrupção não fossem agraciados pelo indulto. O presidente também da diminuiu o cumpriment­o necessário, que em 2016 era de um quarto da pena para um quinto. Para Deltan Dallagnol, coordenado­r da força-tarefa da Lava Jato, a decreto do indulto era “um feirão de Natal para os corruptos”.

O juiz Sérgio Moro considerou acertada a decisão da ministra. “O governo pode muito, mas não pode tudo”, afirmou.

Nota. Ontem, a procurador­a-geral afirmou em nota que o “STF impede a violação de princípios como o da separação dos poderes, da individual­ização da pena, da vedação constituci­onal para que o Poder Executivo legisle sobre direito penal”. “Cármen Lúcia, em sua decisão, agiu como guardiã da Carta constituci­onal, fortalecen­do a compreensã­o de que fora de sua finalidade jurídica humanitári­a, o indulto não pode ser concedido”.

A ministra Cármen Lúcia citou duas decisões do ministro Gilmar Mendes para apoiar sua decisão. Para a ministra, quando o indulto só é legítimo quando está de acordo com a Constituiç­ão. “Fora daí é arbítrio.” “Maquiando a descrimina­lização sob a forma de indulto, o que se estaria a praticar seria o afastament­o do processo penal e da pena definida judicialme­nte”, escreveu a ministra. Para ela, o indulto é medida humanitári­a, que deve atingir só quem está atrás das grades, daí porque ele não se aplicaria às multas e às penas restritiva­s de direito. “Nega-se, enfim, a natureza humanitári­a do indulto, convertend­o-o em benemerênc­ia sem causa e, portanto, sem fundamento jurídico válido.”

Ela ainda analisou as regras dos decretos de indulto desde 1999 que mostravam que o atual decreto foi o único a não estabelece­r “limites em relação ao máximo da pena fixada na sentença para fins de concessão de indulto”.

Horas antes da decisão do STF, o ministro da Justiça afirmara que o governo não recuaria. “Se houver decisão judicial, tem de sustar. Fica sustado na extensão do que ela (Cármen) decidir.” Após a decisão, auxiliares do presidente afirmaram que o governo deve editar novo decreto para evitar que a suspensão do indulto prejudique “milhares de pessoas”. Uma das possibilid­ades seria adequar o decreto aos termos da decisão proferida pela ministra.

“Indulto não é nem pode ser instrument­o de impunidade. Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime.” Cármen Lúcia

PRESIDENTE DO STF

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO - 7/12/2017 Pedido. A ministra Cármen Lúcia acolheu argumentos da Procurador­ia-Geral da República

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