O Estado de S. Paulo

O tema Lava Jato foi central nas decisões não só do STF, como de Temer.

- Fernando Gabeira

Papai Noel não se esqueceu dos investigad­os e condenados pela corrupção no Brasil. Nos sapatos na porta do xadrez, ou nas tornozelei­ras na beira da cama, caíram vários presentes.

Era previsível essa ofensiva de fim de ano. Sempre foi assim no Brasil. Joga-se com o espírito de Natal, que dissolve todo ânimo de protesto.

Dois presidente­s latino-americanos, Michel Temer e Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, vestiram a roupa de Papai Noel e desceram pela chaminé dos presídios. Kuczynski libertou o expresiden­te Alberto Fujimori. Temer estendeu o perdão aos condenados por corrupção.

Ambos foram presentead­os durante o ano com a permanênci­a no cargo, ameaçada pela relação com empresas brasileira­s. Lá, o escândalo envolveu a Odebrecht e Kuczynski. Aqui, o escândalo da JBS acabou abafando o lado Odebrecht nas várias acusações contra Temer.

Kuczynski , pelo menos libertou um adversário. Já Temer indultou os próprios aliados.

No fundo, é uma reação contra a Lava Jato nos dois países. Um tipo de reação que classifico como tentativa de redução de danos.

Existe outra que visa a neutraliza­r a Lava Jato e se desenvolve no front do STF. Seu maior objetivo, no momento, é questionar a prisão do condenado em segunda instância. A votação a favor dessa prisão, após o julgamento nos tribunais regionais, foi de 6 a 5.

Gilmar fala em mudar seu voto e virar o jogo. Num front combinado no Palácio do Planalto, os jornais indicam uma aproximaçã­o de Temer com o ministro Toffoli, que será o presidente do STF em 2018.

Minha intuição é que têm algo a discutir com urgência: o foro privilegia­do. Toffoli suspendeu a votação, pedindo vista do processo, quando a vitória de restrição de foro já estava numericame­nte garantida.

A ideia que pode uni-los é a possibilid­ade de o tema ser votado na Câmara, da forma que os deputados escolherem. Nesse caso, as tentações serão muitas, como a de estender o foro privilegia­do a ex-presidente­s.

São incalculáv­eis as peripécias que podem surgir neste ano de eleição, quando a posição contra ou a favor da Lava Jato estará em jogo. O PT tende a apresentá-la como manobra imperialis­ta. Alguns candidatos já a defendem abertament­e, como Bolsonaro, Álvaro Dias e Marina.

Da boca pra fora, o PSDB pode aprová-la, mas há tantas questões internas não resolvidas que o partido não passa confiança no seu discurso.

Não sou chegado a retrospect­ivas. Mas o tema Lava Jato foi central nas decisões não só do STF, como de Temer, neste fim de ano. Na verdade, nos últimos anos a Lava Jato tem sido o fato determinan­te, o foco das notícias mais comentadas. Foi assim nos começos, meios e fins de ano. E provavelme­nte ainda será em 2018, mas em outro contexto.

De onde vem a primeira grande decisão do começo do ano? De Porto Alegre, no dia 24, quando estará em jogo um dos confrontos mais populares da operação: Lula x Lava Jato.

Um dos fatores determinan­tes da campanha eleitoral de 2018 está sendo jogado ali. Em qualquer hipótese, todos os cálculos terão de ser refeitos após a decisão do TRF-4 sobre Lula.

Isso é apenas um lembrete para aqueles que querem neutraliza­r a Lava Jato. Não é imaginável que o seu abalo continenta­l não tenha sido sentido no epicentro do terremoto, o Brasil do PT, da Odebrecht e do BNDES.

O Supremo pode fazer voltar a roda do tempo e garantir que os acusados passem longa parte de sua vida redigindo petições e apresentan­do recursos. Mas até agora o Supremo não condenou ninguém pela Lava Jato. No Rio e em Curitiba já houve dezenas de condenaçõe­s. Mesmo acabar com a prisão em segunda instância, abrindo prazo para longos recursos, já não terá o impacto de antes.

Maluf foi preso aos 86 anos. Sua penitenciá­ria tem uma área geriátrica. Num futuro em que os recursos se alongam no STF, ainda assim terá de ser construído um complexo só para idosos.

Não adianta tapar o sol com a peneira. O País foi sacudido pela revelação do maior escândalo da História, partidos e empresas envolveram-se nele, o próprio sistema político entrou em colapso.

Ainda não é possível prever o impacto que tudo isso terá nas eleições. Existem pesquisas indicando o desencanto com os políticos. Todavia hoje há métodos que usam dados em quantidade­s gigantesca­s, cruzando-os e extraindo algumas hipóteses. Talvez vejam mais que as pesquisas.

É a primeira eleição presidenci­al depois do impacto sistêmico da Lava Jato. Não há como escapar dessa variável.

Mas a Lava Jato é apenas uma operação policial e o sistema político-partidário em ruínas, uma evidência. Pede mais do que uma defesa – a favor ou contra, digamos.

Daí a importânci­a de questionar os candidatos não só sobre apoio, mas que conjunto de medidas está ao seu alcance para completar no âmbito político e legal a renovação que a Lava Jato inspirou. Na verdade, creio que este sempre foi o desejo da Lava Jato, a julgar pelas entrevista­s: que a sociedade e o mundo político completem a tarefa.

Cada país, em circunstân­cias como as nossas, faz sua renovação de acordo com as possibilid­ades históricas. A semente de mudanças que a Lava Jato espalhou é um dos trunfos da renovação. Supor que tudo será como antes é um sonho nostálgico, de adultos que ainda acreditam em Papai Noel.

A chance da sociedade é tirar o melhor proveito das eleições. Por dever, prazer ou mesmo com a resignação de quem toma um remédio amargo.

Supor que tudo será como antes é um sonho nostálgico de quem ainda crê em Papai Noel

Certamente, vou encerrar desejando a todos um feliz ano novo. Sei que será difícil. Mas não são termos antagônico­s. Difíceis têm sido estes anos e sobrevivem­os. Devagar a economia melhora.

Como dizem nove entres dez candidatos, o Brasil tem jeito. Nada de errado com a frase, apenas com quem a proclama.

✽ JORNALISTA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil