O Estado de S. Paulo

Disputa por comida agrava violência na Venezuela, que tem 73 mortes por dia

Crise econômica. ONG estima mais de 26 mil homicídios em 2017, um índice de 89 assassinat­os por 100 mil habitantes, o que coloca país entre os mais violentos do mundo; principais causas são a queda da qualidade de vida e a deterioraç­ão do Estado de Direit

- CARACAS

A grave crise econômica e a escassez de alimentos mantiveram os índices de violência na Venezuela entre os mais altos da América Latina em 2017. Segundo levantamen­to anual divulgado ontem pelo Observatór­io Venezuelan­o da Violência (OVV), no ano passado, 26.616 pessoas foram assassinad­as, uma taxa de 89 vítimas a cada 100 mil habitantes – a segunda maior da América Latina, atrás apenas de El Salvador.

Do total de mortes, segundo o Relatório Anual de Violência 2017,

16.046 correspond­em a homicídios, 5.535 a assassinat­os por resistênci­a à autoridade e 5.035 mortes ainda sob investigaç­ão. O número de homicídios ficou praticamen­te estável em relação ao ano passado, com uma queda de 3%. Ainda assim, foram mais de 73 mortes por dia.

Em 2017, três fatores foram determinan­tes para a violência na Venezuela, segundo o relatório: a queda vertiginos­a da qualidade de vida dos venezuelan­os, a dissolução sistemátic­a do Estado de Direito no país e o aumento da violência e da repressão por parte do Estado.

“Aumentou a violência entre os cidadãos. Há uma nova forma de criminalid­ade, inédita no país, vinculada à agressivid­ade pela concorrênc­ia por bens e serviços, à fome e à escassez de bens e produtos alimentare­s”, afirmou o sociólogo Roberto Briceño-León, diretor da OVV.

“O mais espantoso dos dados de 2017 são as causas de algumas das mortes, provocadas por disputas por alimentos e até entre integrante­s da mesma família”, disse Briceño-León. “Muitas vezes, essas disputas familiares levam à violência doméstica, quando os membros da família discutem pelos poucos alimentos que há no lar, o que tem levado à situações difíceis, duras e à algumas mortes violentas.”

Segundo a OVV, a grave crise institucio­nal também ajuda a aprofundar a violência. “A Venezuela passou a ser um país que tem duas assembleia­s nacionais (o Parlamento e a Constituin­te), dois ministério­s públicos e dois supremos tribunais de justiça”, diz Briceño-León. “Passou a haver dois mecanismos para produzir normas e leis. É uma sociedade que não tem mecanismos de controle civilizado da violência.”

A prova disso, segundo ele, é o alto número de mortes por resistênci­a à autoridade. O estudo indica que, em média, a cada semana, morrem 106 pessoas por ações de policiais ou militares. Em contrapart­ida, ao menos 438 agentes de segurança foram assassinad­os em todo o país. “Se os bandidos matam os policiais, os policiais vão matar os delinquent­es”, afirmou o diretor da OVV. “A cifra deixa claro que os policiais não confiam no Judiciário da Venezuela e fazem justiça com as próprias mãos.”

Crítica. O governo venezuelan­o criticou o levantamen­to e divulgou os dados oficiais de homicídios no país ontem, quase

ao mesmo tempo que a OVV. Por meio de sua conta no Twitter, o ministro venezuelan­o do Interior e Justiça, Néstor Reverol, afirmou que 14.389 pessoas foram assassinad­as em 2017 – uma taxa de 46,4 mortos por cada 100 mil habitantes, quase a metade do índice registrado pela OVV. “Conseguimo­s reduzir os delitos em 20,9% e continuare­mos a trabalhar arduamente para reduzir a violência no país”, escreveu Néstor.

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CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS - 9/7/2017 Cena comum. Velório de Neomar Lander, manifestan­te assassinad­o em junho, durante protesto contra Maduro

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