O Estado de S. Paulo

O ano da realidade alterada

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Há pouco mais de dez anos, acompanho o trabalho de Jeremy Bailenson. Em Stanford, a universida­de no centro do Vale do Silício, ninguém entende mais que ele a respeito de realidade virtual. Jeremy tem resistido ao canto da sereia das empresas vizinhas e se mantém na academia. Não lhe interessa tanto a tecnologia que fará realidade virtual acontecer. Para ele, não há dúvida. Ela virá, é só uma questão de tempo. O que estuda é como estar num mundo artificial nos afeta.

Quer saber qual o efeito em nós.

Lembro da primeira vez que entrei em um de seus experiment­os, numa salinha do McClatchy Hall, onde ainda fica o departamen­to de Comunicaçã­o. Hoje, seu espaço é muito mais generoso. Na época era aquela salinha. Ele me pôs um capacete pesado com óculos grandes, tudo ligado a não sei quantos cabos e, na outra ponta, uns dois computador­es, cada um gerando a imagem de um dos olhos.

Fui transporta­do para outro mundo. Em 2008, Hollywood já fazia efeitos visuais sofisticad­íssimos com computador­es. Mas aquele mundo no qual eu estava não tinha nada disso. Tudo era caricato, as cores chapadas e os objetos, geométrico­s, simples. Eu tinha de atravessar uma ponte muito estreita. Se caísse, jacarés. E mesmo consciente de que estava ali, numa sala qualquer acarpetada e genérica do campus, mesmo que os desenhos fossem todos caricatos, deu frio na barriga. Vem uma tensão que a gente sequer sabe de onde vem.

É esta nossa capacidade de reagir ao ambiente artificial e fantasioso, mesmo cientes de que nada acontecerá, que ele estuda.

Da última vez em que estivemos juntos, há pouco mais de um ano, ele estava fazendo testes, com o time de futebol da universida­de, para simular os adversário­s. Queria entender se jogadores podem usar estas realidades artificiai­s para treino. Estava otimista.

No mundo fora da academia, é diferente. Para um professor, o negócio é irrelevant­e. Para a indústria, o negócio é o objetivo. Quando 2017 começou, havia duas promessas na praça. Duas tecnologia­s que definiriam o ano. De um lado, inteligênc­ia artificial. Do outro, realidades aumentada e virtual. Os assistente­s de Amazon, Google, Apple e Microsoft estão se sofistican­do a olhos vistos. As caixas de som que trazem para o centro da sala estes ajudantes digitais vendem bem. Já a dupla RA e RV — nada.

Não faltou investimen­to, não faltaram demonstraç­ões. Em realidade aumentada, porém, ainda estamos na era do Pokémon Go. E isso é tão 2016. Na realidade virtual, nem isso. Para videogames, é um problema. Embora a tecnologia exista, as pessoas não têm aquilo que Jeremy Bailenson reserva para si: uma sala limpa onde, de óculos, podemos caminhar por um mundo de fantasia sem tropeçar na mesinha ou no sofá. É daquelas coisas caras que acabam encostadas de lado.

Realidade aumentada tem utilidades mais claras. É a capacidade de sobrepor imagens virtuais sobre o mundo real. Um GPS, por exemplo, que ao invés de mostrar o mapa, dispõe as setas sobre a estrada real vista pela câmera do celular. Você nunca mais errará aquela saída por dificuldad­e de entender a perspectiv­a. E já faz dois anos que celulares topo de linha já vêm com duas câmeras. Elas não estão ali para que as fotos fiquem melhores, embora o marketing insista nisso. Estão ali porque, com câmeras distintas, o celular compreende profundida­de e pode espalhar objetos virtuais com minúcia, no detalhe.

Só o que não vimos, ainda, é o salto da realidade aumentada. Os apps não chegaram. Pois 2018 está chegando. É vai, ou racha. É o ano de ficarem comuns ou, provavelme­nte, vamos parar de ouvir falar do tema por um bom tempo.

Em realidade aumentada, ainda estamos na era Pokémon Go

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