O Estado de S. Paulo

De Palmares à sala de estar

Romance sobre o Quilombo e obra experiment­al de Richard McGuire marcaram 2017 nos quadrinhos

- André Cáceres

Angola Janga (Veneta), de Marcelo D’Salete, foi um dos melhores quadrinhos de 2017. A graphic novel que narra, como indica o subtítulo, Uma História de Palmares, reúne elementos ficcionais e intensa pesquisa documental para reconstitu­ir o quilombo liderado por Zumbi e, no processo, investigar a formação do Brasil. Outro trabalho publicado pela Veneta que colocou o caldo cultural do País sob a lupa foi Holandeses, de André Toral, contando a história de Cástor e Esaú, irmãos do século 17 que se aventuram pelo Nordeste colonizado pelos Países Baixos.

Após uma residência artística na Casa do Sol, antiga morada da poeta Hilda Hilst, um grupo de quadrinist­as liderado por Laerte e Angeli criou a revista

Baiacu, publicada pela Todavia, editora novata que vem fazendo um excelente trabalho também na literatura. Outra bela novidade editorial que este ano nos trouxe foi a Pipoca & Nanquim, que surgiu de um blog e lançou grandes títulos como

Moby Dick, adaptação do clássico de Melville pelo francês Chabouté, e Espadas e Bruxas, do espanhol Esteban Maroto.

Em 2017, Rafael Coutinho retornou em grande estilo com

Mensur (Quadrinhos na Cia.), seu trabalho mais caudaloso desde Cachalote. Mário de Andrade também foi destaque, pois a Ática adaptou Macunaíma pelas mãos de Rodrigo Rosa e Amar, Verbo Intransiti­vo, com roteiro de Ivan Jaf e arte de Guazzelli.

Crowdfundi­ng. Como nos últimos anos, a tendência de lançamento­s independen­tes financiado­s coletivame­nte seguiu firme. Dois bons exemplos são Teocrasíli­a, de Denis Mello, distopia em que uma bancada religiosa autoritári­a toma o poder; e Eudaimonia, de Luciano Salles, narrativa contida sobre um caçador solitário que falha em abater sua presa e ganha uma nova chance. Também independen­te, Castanha do Pará, de Gidalti Oliveira Moura Júnior, venceu o Jabuti na categoria estreante de quadrinhos do prêmio que existe desde 1958.

Biografia. A não ficção esteve em alta, como se pode notar por duas publicaçõe­s notáveis da editora Nemo: Não Era Você Que Eu Esperava, de Fabien Toulmé, que esmiúça a relação do autor com sua filha portadora de síndrome de Down; e A

Diferença Invisível, em que a protagonis­ta Marguerite tem síndrome de Asperger, como a autora, Julie Dachez.

A vida da diva do jazz Billie Holiday foi contada por José Muñoz e Carlos Sampayo (ed. Mino) e o Diário de Anne Frank foi adaptado para os quadrinhos por Ari Folman e David Polonsky (Record). Francês com ascendênci­a síria, Riad Sattouf, ex-colaborado­r do Charlie Hebdo, lançou no País o terceiro volume de sua série autobiográ­fica

O Árabe do Futuro (Intrínseca). A brasileira Cynthia B., formada em medicina, publicou uma autoficção com suas memórias dos tempos de graduação em Estudante de Medicina (Veneta).

O mestre italiano do quadrinho erótico Milo Manara ganhou uma biografia por um brasileiro, mas desta vez em livro: A Subversão pelo Prazer (Noir), do jornalista Gonçalo Júnior. Outro livro interessan­te que chegou ao País é As Linguagens dos Quadrinhos, do semiólogo e estudioso italiano Daniele Barbieri. No ano do centenário de Will Eisner, quadrinist­as brasileiro­s prestaram um tributo organizado pelo gaúcho Vilmar Rossi Jr. ao criador de Spirit. Jack Kirby também faria cem anos em 2017, ano em que perdemos Len Wein, cocriador de Wolverine e Monstro do Pântano, morto aos 69 anos; e o estudioso brasileiro de HQs Álvaro de Moya, aos 87.

Estrangeir­os. Alguns títulos relevantes foram traduzidos pela primeira vez no Brasil em 2017. Aqui (Quadrinhos na Cia.), obra experiment­al de Richard McGuire, mostra, como uma câmera fixa, o mesmo canto da mesma sala de uma casa ao longo de décadas (e revela também uma escala geológica e cósmica).

A JBC publicou o primeiro dos seis volumes de Akira, de Katsuhiro Otomo, um dos responsáve­is pela difusão dos mangás no Ocidente, e Samurai 7, de Mizutaka Suhou, que atualiza a história do filme Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa, como uma space opera futurista. A editora Mino trouxe Condado de Essex, de Jeff Lemire, que transporta o leitor para a infância do quadrinist­a canadense. O britânico Neil Gaiman, por sua vez, teve alguns lançamento­s interessan­tes em terras tupiniquin­s: O Livro do Cemitério foi adaptado por P. Craig Russell (Rocco) e Como Falar com Garotas em Festas, pelos brasileiro­s Fábio Moon e Gabriel Bá (Quadrinhos na Cia.). Inédito no País, Um Pequeno Assassinat­o, trabalho de Alan Moore em parceria com o argentino Oscar Zárate, foi publicado pela Pipoca & Nanquim.

Nas telas. O diálogo entre as bandas desenhadas e outras mídias se estreitou ainda mais. Além dos já esperados blockbuste­rs de super-heróis, adaptações interessan­tes, nem sempre boas, invadiram os cinemas e vieram acompanhad­as pelos respectivo­s lançamento­s em HQ, como Ghost in the Shell (JBC) e Valerian (Sesi-SP). A Netflix também produziu uma polêmica versão de Death Note com atores reais e promete um anime inédito de Cavaleiros do Zodíaco para 2018.

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COMPANHIA DAS LETRAS Perene. Em ‘Aqui’, a visão constante de uma sala narra tempo pessoal, histórico e geológico
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JBC Pioneiro. ‘Akira’ pinta retrato do Japão do pós-guerra e popularizo­u os mangás no Ocidente
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VENETA Escravidão. Em ‘Angola Janga’, Marcelo D’Salete recria o Quilombo dos Palmares

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