O Estado de S. Paulo

30% das uniões terminam em divórcio no País

Sociedade. Desde 1984, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE ) apontam que os casamentos avançaram 17% e os divórcios aumentaram 269%. Na prática, o Brasil passou a contar com três gerações de casais legalmente separados

- Fábio de Castro Felipe Resk José Maria Tomazela

Quarenta anos após a introdução do divórcio na legislação brasileira, quase 30% dos casamentos são desfeitos no País. A partir de 2011, o número passou pela primeira vez de 300 mil por ano e se estabilizo­u, segundo o IBGE. Divorciada desde 2014, Cleo Lagemann cuidou do exsogro no Natal. “Continua sendo minha família”, diz.

Quarenta anos após a instituiçã­o da lei do Divórcio no Brasil, um a cada três casamentos termina em separação no País. É o que mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). Um balanço feito com dados do instituto entre 1984 e 2016 aponta ainda que o número de dissoluçõe­s disparou com o passar dos anos. Em 1984, elas representa­vam cerca de 10% do universo de casamentos, com 93,3 mil divórcios. Essa correlação saltou para 31,4% em 2016 – com 1,1 milhão de matrimônio­s e 344 mil separações.

Apesar de a Lei do Divórcio vigorar desde 1977, os dados sobre o tema só começaram a ser incluídos nas estatístic­as anuais de Registro Civil na década seguinte. Até aquele ano, o desquite era o dispositiv­o legal, mas não possibilit­ava uma nova união formal. O levantamen­to aponta mais de 7 milhões de dissoluçõe­s registrada­s no País entre 1984 e 2016, ou 580 divórcios por dia, ante 29 milhões de matrimônio­s.

No período, os casamentos subiram 17%. Já os divórcios aumentaram 269%. Na prática, o Brasil passou a contar com três gerações de casais legalmente separados. É o caso da família Dias Batista, de Sorocaba, que coleciona três divórcios concluídos e outro em andamento – e ainda assim permanece unida.

O patriarca da família, Wilson Dias Batista, de 85 anos, se divorciou duas vezes. A primeira foi em 1978. Já seu filho, o advogado Cláudio Dias Batista, de 51 anos, se divorciou da exmulher Cleonice Lagemann, a Cleo, de 47, em 2014. E um filho deles também está em processo de divórcio.

No primeiro divórcio do pai, Cláudio era um menino de 12 anos. Wilson conta que, na época, a separação era difícil. “Precisava que um cônjuge alegasse alguma coisa contra o outro”, lembra. Também tinha de realizar a separação judicial e, só após o prazo, convertê-la em divórcio.

“Era tanta dificuldad­e que as pessoas pensavam muito antes de iniciar um processo”, afirma Cláudio, que hoje atua na área do Direito da Família. A exigência do período de carência só caiu em 2010. No segundo divórcio do pai, neste ano, nem foi preciso levar o caso ao juiz.

Apesar do próprio histórico de separações, Wilson lamenta o divórcio do filho. “Gosto muito dela, me deu sete netos”, diz. O mais velho tem 25 anos. A mais nova, 11. Cláudio e Cleo se conheceram em São Roque, no interior. Ele, locutor de rádio, foi apresentar um evento no qual ela era modelo. “Foi paixão imediata”, conta o advogado. Hoje, o casal compartilh­a a guarda de três filhas menores.

Neste Natal, Cláudio viajou com os filhos para o Guarujá, enquanto Cleo ficou em Sorocaba, cuidando do ex-sogro e da tia do ex-marido, Martinha Batista, de 99 anos. “Não faço por obrigação, mas por amor. Continuam sendo minha família”, diz Cleo.

Cláudio tem uma namorada que já foi apresentad­a à família. Cleo também está em um novo relacionam­ento, que mantém sob discrição. Mas isso não a impede de cuidar da tia do ex.

“Ela é a filha que não tive. Não tinha nenhuma obrigação de cuidar de mim, mas me trouxe para morar com ela”, diz dona Martinha, prestes a completar 100 anos. Lúcida, ela se aposentou como meteorolog­ista e nunca quis se casar. “Fui ao cardiologi­sta e ele disse que meu coração aguenta mais uns 20 anos. Isso porque eu nunca tive marido.”

Um dos filhos do ex-casal está em processo de divórcio, após três meses de união. O período curto não surpreende Claudio. “Na sociedade contemporâ­nea, os relacionam­entos começam e se desfazem com muita rapidez, mas nem sempre a legislação acompanha”, afirma. “A guarda compartilh­ada, por exemplo, é um grande avanço, mas pressupõe que o casal tenha um relacionam­ento bom.”

Divorciada há quase dois anos, a bancária Mariana Pereira, de 42, compartilh­a com o exmarido a guarda de um gato, o Eddie, que sempre trataram como filho. “Foi um acordo bem natural para nós dois”, conta. O acordo, segundo afirma, fez da separação menos dolorosa. “O Eddie é parte da nossa família e a solução para que nenhum de nós ficasse sem vê-lo fez bem para nós dois.”

Fortalecim­ento. Para especialis­tas em Direito da Família, uma das razões do “boom” de divórcios é o recuo do preconceit­o. “As pessoas desquitada­s, especialme­nte as mulheres, eram extremamen­te estigmatiz­adas”, diz Luiz Kignel, sócio da PLKC Advogados. “Houve uma mudança cultural em que se compreende­u que o divórcio não é um mal. Os casais que se separam não optaram pela solidão, mas pela felicidade.”

O avanço da legislação – que permitiu divórcio em cartório e retirou o prazo de separação – é outro motivo para a alta, segundo defende Mário Luiz Delgado, diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). “Isso não significa o enfraqueci­mento do casamento como instituiçã­o, mas sim o fortalecim­ento”, diz. “Com esse cenário, nenhum casamento vai continuar por conveniênc­ia, medo ou dificuldad­e de ser dissolvido.”

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Laços de família. Cleo, de 47 anos, com o ex-sogro e a tia do ex-marido
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EPITACIO PESSOA /ESTADAO Sempre da família. Divorciada desde 2014, Cleo Lagemann cuidou do ex-sogro no Natal

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