O Estado de S. Paulo

Sete em cada dez

- GUSTAVO H.B. FRANCO

Há um misto de excitação e angústia nesta antessala do ano em que vão ocorrer eleições destinadas a sanar, talvez, os ressentime­ntos políticos dos últimos anos e deslanchar a economia. A atmosfera está carregada de radicalism­o e ainda são muitos os assuntos incompleto­s no terreno criminal, de sorte que as eleições devem curar, quem sabe, menos pelo consenso que pelo consentime­nto, ou pela obediência às sentenças judiciais e pela prevalênci­a do ideal iluminista da igualdade diante da lei, um princípio que sempre enfrentou resistênci­as neste reino de direitos adquiridos, cidadãos diferencia­dos e governante­s não responsabi­lizáveis.

Os desafios econômicos permanecem monumentai­s, mas parecem bem mais claros depois do fracasso épico da Nova Matriz Macroeconô­mica, uma espécie de 7 a 1 do pensamento nacional-inflacioni­sta. Os consensos econômicos parecem tão evidentes, com as exceções de praxe, que mesmo um governo ideologica­mente inodoro, como o de Michel Temer, pôs-se a executar pautas reformista­s e a celebrar os feitos do Banco Central. No campo fiscal, todavia, parece haver certo cálculo em fracassar lutando.

As pesquisas de intenção de voto, como é habitual a esta distância das eleições, trazem mais dúvidas do que certezas. Algo como 2/3 dos eleitores pesquisado­s pelo Datafolha ao final de novembro não têm candidato ou tampouco pretende. Nenhuma surpresa que as rejeições sobrepujem as vontades e que o jogo esteja ainda muito aberto.

Mais curioso, mas também não surpreende­nte, é o levantamen­to do Datafolha, feito em dezembro, pelo qual se encontrou que sete em cada dez brasileiro­s se opõem à privatizaç­ão de estatais, mesmo depois do Petrolão e consideran­do que onze em cada dez brasileiro­s possuem telefone celular. Mas o paradoxo é apenas aparente. Muito provavelme­nte uma pesquisa desse tipo, por exemplo, sobre a política monetária, mostraria níveis de desaprovaç­ão para os juros altos e para o ajuste fiscal abissais como os de Michel Temer. Nada de novo: uma coisa é o tratamento, os remédios e a cirurgia, outra é a saúde. Entre eles está a medicina e suas complexida­des.

Se fôssemos consultar o Datafolha para fazer o Plano Real íamos descobrir, segundo repetidame­nte nos advertiam, que sete em cada dez brasileiro­s queriam congelamen­to de preços, conversão de salários pelo pico, aumento real expressivo no salário mínimo e nos benefícios da previdênci­a, além de juros e câmbio ao gosto dos dirigentes da Fiesp. Ia ser o Plano Cruzado pela sexta vez, ou mais, até acertar.

É fácil falar a posteriori, uma vez assegurado­s os resultados, que a estabilida­de monetária trazida pelo Real foi uma conquista do povo. Entretanto, na hora de fazer, cada uma das ideias da equipe econômica parecia contrária à vontade do povo, conforme seus inúmeros intérprete­s autoprocla­mados.

As pesquisas sobre como o povo enxerga as medidas necessária­s para a economia invariavel­mente levam ao populismo. Uma piada paradoxo do filósofo Slavoj Zizek ilustra muito bem o problema: um rapaz procura uma chave perto de um poste de luz. Quando lhe perguntam onde a perdeu, ele diz que foi em uma esquina mal iluminada. Então por que está procurando ali, debaixo da luz? Porque a visibilida­de é bem melhor, ele responde.

Assim funciona o populismo, explica o filósofo: as respostas simples e inteligíve­is para os problemas são sempre muito mais visíveis e atrativas que os complexos processos sociais e econômicos.

Em seu formato mais inofensivo o populismo é uma torrente de bondades fiscais que sabidament­e provoca inflação e recessão. A variante mais perigosa, no entanto, é a que apela ao confronto e identifica vilões. Zizek dá como exemplo a perseguiçã­o aos judeus, frequentem­ente apontados como culpados pelas mazelas da economia. Mas é fácil ver que pelo mesmo caminho são desancadas as “elites brancas”, o “capital financeiro”, e também a “desordem”, e as autoridade­s “frouxas” diante de bandidos. Ou tudo isso junto, ou misturado.

Felizmente, todavia, a julgar pelas pesquisas, pouco menos de sete em cada dez eleitores não querem nada disso. Até o momento.

O populismo é uma torrente de bondades que sabidament­e provoca inflação e recessão

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMEN­TOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS

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