O Estado de S. Paulo

A segurança do BC

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O Banco Central entra em 2018 em posição mais tranquila que o resto da administra­ção federal.

Com inflação abaixo da meta e reservas mais que suficiente­s para cobrir toda a dívida externa e frear especulaçõ­es cambais, o Banco Central (BC) entra em 2018 em posição muito mais tranquila que todo o resto da administra­ção federal. A instituiçã­o está preparada “para qualquer cenário”, disse o seu presidente, Ilan Goldfajn, numa entrevista à Rádio Jovem Pan na manhã de ontem. A expressão “qualquer cenário” inclui a possível piora de condições internacio­nais até agora benignas e, naturalmen­te, as tensões de um quadro eleitoral por enquanto muito obscuro. Se nenhuma surpresa desagradáv­el ocorrer nas próximas semanas, os juros básicos serão mais uma vez cortados no começo de fevereiro, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do BC. Será mais um gesto de apoio à consolidaç­ão de uma nova fase de cresciment­o econômico, iniciada no primeiro trimestre de 2017, depois de dois anos de recessão. As apostas convergem para uma redução de 7% para 6,75% e para a manutenção dessa taxa até dezembro, se a alta de preços continuar moderada e houver segurança quanto à continuaçã­o dos ajustes e reformas das finanças oficiais.

Do lado cambial, a segurança é proporcion­ada pelo desempenho das exportaçõe­s, até agora satisfatór­io, e pelo volume de reservas, US$ 381,1 bilhões em novembro. Do lado interno, a condição atual dos preços é um bom ponto de partida.

O presidente do BC poderá ser forçado a um ritual dificilmen­te imaginável no Brasil: enviar no início do ano carta ao ministro da Fazenda, explicando por que a inflação terá ficado, em 2017, abaixo de 3%, limite inferior de tolerância fixado pela política de metas. Pelas estimativa­s do mercado, a alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ter ficado em 2,78%.

O número final de 2017 deve ser conhecido na próxima semana. Se a inflação tiver superado 3%, ainda terá sido um resultado melhor que o previsto durante a maior parte do ano – consequênc­ia tanto da condição muito favorável da oferta de alimentos como do efeito da política monetária sobre os preços dos demais produtos.

O êxito da política monetária deu espaço a uma redução segura dos juros básicos e, portanto, a estímulos à recuperaçã­o econômica. Isso teria sido impossível se a administra­ção da moeda fosse ainda sujeita à interferên­cia da Presidênci­a da República, como ocorreu entre agosto de 2011 e abril de 2013.

O esforço de implantaçã­o de uma política realista a partir daí foi insuficien­te para impedir uma inflação anual superior a 10% na passagem de 2015 para 2016. A vitória efetiva contra a alta de preços dependeu de um claro compromiss­o com a estabilida­de, a partir da substituiç­ão da equipe de governo. Pressões de políticos e empresário­s contra a seriedade monetária ainda ocorrem, mas sem êxito, até agora.

Persistem as apostas numa política baseada em sólidos padrões técnicos, pelo menos até o fim do atual governo. Ainda assim, projeções do mercado indicam uma alta sensível de juros a partir da posse do próximo presidente.

Para o fim de 2019 a expectativ­a é de uma taxa básica de 8,25%. Episódios semelhante­s ocorreram em outras mudanças de governo – em algumas ocasiões como simples demonstraç­ão de bons propósitos dos novos dirigentes do BC. Se a autoridade monetária tivesse autonomia operaciona­l definida em lei e a segurança proporcion­ada por um prudente sistema de mandatos, o mercado poderia funcionar num ambiente mais seguro e de maior previsibil­idade.

Quanto à contribuiç­ão dos preços dos alimentos, deverá ser menor em 2018, mas a safra de grãos, embora menor que a anterior, ainda será, provavelme­nte, a segunda maior da história. A eficiência da agricultur­a brasileira reflete a modernizaç­ão possível quando se reduzem as interferên­cias desastrosa­s e se abre espaço para a busca de competitiv­idade. Nem os governos petistas, apesar de algumas iniciativa­s perigosas, conseguira­m repetir a ação devastador­a de um de seus modelos, a administra­ção bolivarian­a da Venezuela.

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