O Estado de S. Paulo

Estratégia nacional para a atividade de inteligênc­ia

- SERGIO WESTPHALEN ETCHEGOYEN É MINISTRO-CHEFE DO GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIO­NAL DA PRESIDÊNCI­A DA REPÚBLICA

Desde o dia 15 de dezembro de 2017, quando se publicou decreto a este respeito, firmado pelo presidente Michel Temer, o Brasil conta com uma Estratégia Nacional de Inteligênc­ia (Enint). Será, talvez, compreensí­vel se, em meio ao denso noticiário cotidiano, o acontecime­nto não tenha tido a repercussã­o que mereceria. E, no entanto, este é um fato digno de nota, e por duas razões distintas.

Em primeiro lugar, porque a Estratégia Nacional vem coroar um esforço iniciado ainda em 1999: o de dotar a atividade de inteligênc­ia de um marco normativo moderno que a compatibil­ize plenamente com as exigências do Estado Democrátic­o de Direito. Naquele ano, a aprovação da Lei n.º 9.883 criou o Sistema Brasileiro de Inteligênc­ia (Sisbin) e a Agência Brasileira de Inteligênc­ia (Abin), definindo-a como seu órgão central. A lei, de resto, encarrega a Abin da “obtenção e análise de dados (...) destinados a assessorar o presidente da República”; da “proteção de conhecimen­tos sensíveis relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade”; e de “avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constituci­onal”.

Este processo continuou, ao longo dos anos, com decretos que foram reestrutur­ando o Sistema Brasileiro de Inteligênc­ia ao sabor das exigências dos tempos. Atualmente, o sistema é integrado por 37 órgãos da administra­ção pública, que contribuem com informaçõe­s e análises que abarcam da área financeira à ambiental, passando pelos domínios mais frequentem­ente associados à atividade de inteligênc­ia (da prevenção do terrorismo ao controle das ações desenvolvi­das, em território nacional, por potências estrangeir­as).

Faltavam, no entanto, marcos conceituai­s que orientasse­m, com clareza e consistênc­ia, num mesmo sentido, as atividades dessa miríade de agências estatais. Esse passo foi dado, finalmente, no presente governo, em 29 de junho de 2016, com a aprovação da Política Nacional de Inteligênc­ia (PNI) – que desde dezembro de 2010 aguardava a chancela presidenci­al –, complement­ada, agora, com a Estratégia, de que trato neste artigo.

Juntos, estes dois documentos situam a atividade de inteligênc­ia no quadro mais amplo da realidade estratégic­a vivida por nosso país, orientam o seu desenvolvi­mento segundo princípios e valores que são os de nosso próprio regime democrátic­o e, por fim, identifica­m os temas que conformam o interesse nacional e que orientam a ação do Estado brasileiro para o seu contínuo desenvolvi­mento.

Isso nos traz à segunda das razões pelas quais a Estratégia Nacional de Inteligênc­ia é um marco importante. Durante décadas, o Brasil parecia conformado com prescindir de um sistema de inteligênc­ia estruturad­o à altura das exigências do País – um país, no entanto, que noutros âmbitos jamais deixou de dar vazão ao seu instinto natural e justificáv­el de protagonis­mo internacio­nal. Contradito­riamente, tardamos muito em entender que, neste processo, é impossível alcançar desígnios tão elevados sem que a Inteligênc­ia esteja a cumprir a sua missão precípua: a de dotar o tomador de decisão, de forma precisa e oportuna, de tantos elementos quanto possível do fato ostensivo ao dado negado, para a concepção e implementa­ção de políticas públicas que atendam, efetivamen­te, ao interesse nacional.

E, simultanea­mente, enquanto avançávamo­s no aspecto conceitual, o governo trabalhou para fortalecer substancia­lmente a própria atividade de inteligênc­ia, com a retomada de concursos públicos para três carreiras na Abin (que não se realizavam desde 2010) e com a expansão da rede de aditâncias de inteligênc­ia, em coordenaçã­o com o Ministério das Relações Exteriores.

Somente no último ano, a Abin aumentou quase cinco vezes a sua presença no exterior, ampliando-a de 3 para 14 postos em nossas embaixadas, iniciativa em perfeita sintonia como uma das vocações básicas da inteligênc­ia de Estado: a atuação no cenário internacio­nal e a interlocuç­ão aproximada com as agências homólogas de nações amigas.

Em suma, o que se deu na área de inteligênc­ia, desde meados de 2016, foi mais do que um aperfeiçoa­mento gradual: com a Política Nacional de Inteligênc­ia e, agora, com a Estratégia Nacional de Inteligênc­ia e com os planos de inteligênc­ia que dela derivarão, o Brasil passa a ter à mão, efetivamen­te, um sistema de inteligênc­ia de Estado à altura dos legítimos anseios da nossa sociedade e adequadame­nte capacitado a cooperar na proteção dos nossos interesses.

Ainda restam passos importante­s a dar, como a normatizaç­ão da atuação do agente de inteligênc­ia ou o detalhamen­to legal dos conceitos que, pela primeira vez, a Estratégia identifica como ameaças a monitorar. Tudo isso virá a seu tempo, mas o fundamenta­l, agora, é que o Estado brasileiro está dotado dos instrument­os essenciais para fazer funcionar como um sistema orgânico – respeitada­s as atribuiçõe­s de cada integrante do Sisbin – o que antes era apenas uma comunidade algo dispersa de organismos de inteligênc­ia. Integração passa a ser o conceito central do sistema.

Contudo, não será o caso, aqui, de sobrestima­r a magnitude dos desafios futuros. O dado fundamenta­l a destacar é justamente este: com o trabalho devotado da Abin e dos demais órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligênc­ia, e graças à crescente sensibiliz­ação do Congresso Nacional e da própria sociedade para a importânci­a do tema, o governo brasileiro, em pouco mais de um ano e meio, impôs-se o desafio de iniciar esta reforma estruturan­te. Uma reforma que há de render muitos bons frutos na defesa de nossas instituiçõ­es, da segurança de todos os brasileiro­s e do desenvolvi­mento do Brasil.

Com a Enint, Brasil passa a ter à mão um sistema à altura dos anseios da sociedade

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