O Estado de S. Paulo

Revoltas econômicas se transforma­m em políticas facilmente

- Christian Caryl / W. POST É JORNALISTA

Não se viam protestos assim no Irã em quase uma década. Nos últimos seis dias, manifestaç­ões foram registrada­s em cidades, vilas remotas e bairros da classe operária de Teerã. Não há como saber onde isto vai parar. A nova geração de descontent­es parece estar determinad­a. O Estado iraniano, porém, está equipado com um gigantesco aparelho repressivo capaz de esmagar até a mais ínfima dissidênci­a.

Seja qual for o resultado, a agitação atual já é um marco na história do Irã. Muita gente tinha esperança de que o sistema teocrático pudesse ser mudado de dentro para fora. Pensaram que, ao votar por candidatos reformista­s, poderiam criar um país mais aberto e democrátic­o. Os manifestan­tes atuais abandonara­m essa esperança. Por quê?

A primeira razão tem a ver com o Movimento Verde, de 2009. Na época, milhares de iranianos tomaram as ruas em protesto contra a fraude eleitoral. Muitos haviam votado no reformista Mir Hossein Mousavi, mas a vitória foi do conservado­r Mahmoud Ahmadineja­d – seus simpatizan­tes do clero teriam alterado o resultado final. Quando Ahmadineja­d foi declarado vencedor, muitos opositores, principalm­ente os jovens de classe média, viram que a linha dura não permitiria reformas. Os manifestan­tes criticaram o regime e a repressão foi dura. Muitos foram mortos – provavelme­nte, nunca saberemos quantos com certeza. Milhares foram presos ou exilados.

O segundo golpe no sonho de uma perestroik­a iraniana foi dado pelo atual presidente, Hassan Rohani, reeleito no ano passado. Apresentan­do-se como reformista, ele ganhou graças às promessas de mudança que nunca cumpriu. O acordo nuclear com o Ocidente, que aliviou as sanções, deveria ter inaugurado uma nova onda de prosperida­de – que nunca veio. O próprio Rohani mostrou que o fracasso era culpa dos iranianos.

Ano passado, ele tentou dar transparên­cia ao publicar detalhes do orçamento, mas foi um tiro n’água. Muitos iranianos ficaram irritados ao descobrir que bilhões de dólares iam parar na conta de obscuras fundações religiosas ou foram gastos em aventuras militares na Síria, Iraque e Líbano. Tudo isso em meio a uma economia em crise. Por isso, é fácil entender por que o aumento do preço de alguns alimentos, em dezembro, tenha desatado a revolta. Como já vimos em outras autocracia­s, os protestos economicam­ente motivados se transforma­m facilmente em políticos ao longo do tempo.

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