O Estado de S. Paulo

Certezas

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Alguns atribuem a Benjamin Franklin outros a Mark Twain a famosa citação sobre a morte e os impostos, as únicas certezas possíveis na vida. Em ano que está fadado a ser caracteriz­ado pela incerteza política nos Estados Unidos, no Brasil, no restante da América Latina, este artigo trata das certezas tributária­s absolutas. Certezas que já fazem ou haverão de fazer parte da política econômica nos EUA, onde moro, e no Brasil.

Pouco antes do Natal, o Congresso americano aprovou ampla reforma tributária, alvo de muitas críticas e ataques de analistas norte-americanos e brasileiro­s. A reforma é a mais abrangente desde 1986, quando o então presidente Ronald Reagan reformou o código tributário, abrindo o flanco para os déficits fiscais elevados que mais tarde seriam ajustados pelo governo Clinton.

Há duas principais críticas à reforma tributária atual: a primeira é que ela irá gerar déficits e dívidas ainda maiores do que os vistos no fim dos anos 80 e início dos 90, inclusive porque o ponto de partida atual não é nada auspicioso; a segunda é que a forma encontrada por republican­os para cobrir parte dos rombos gerados futurament­e reduzirá benefícios tributário­s para os menos abastados levando a um aumento da desigualda­de de renda. Tais críticas são pertinente­s. Contudo, nem tudo o que está contido na reforma dos EUA é ruim.

Antes da reforma, há muito se sabia que o sistema tributário americano para as corporaçõe­s apresentav­a dois grandes problemas. De um lado, a alíquota estatutári­a era de 35% -- a efetiva era mais baixa, em torno de 27%, devido à profusão de regras complexas para a dedução de impostos – o que fazia dos EUA o país com os maiores impostos corporativ­os entre as economias maduras, cuja alíquota média era de uns 20%. Ao reduzir os impostos sobre as empresas para 21%, a reforma americana equipara o país aos seus pares, aumentando a competitiv­idade relativa de grandes multinacio­nais, geradoras de emprego no mundo todo, não só nos EUA.

De outro, a reforma eliminou anomalia relevante no sistema americano: antes, todo o lucro auferido por uma multinacio­nal era tributado em algum momento, ou seja, o regime de impostos era global, não territoria­l como o que caracteriz­a a maior parte dos países da OCDE, sobretudo os europeus. O caráter global do regime tributário significav­a que muitas empresas multinacio­nais norte-americanas preferiam realocar-se fora dos EUA e deferir o pagamento de impostos sobre os lucros, ou mesmo nada repatriand­o para fugir dos tributos elevados. Tal prática criava distorções, além de prejudicar o manejo das contas públicas e a previsibil­idade das receitas. A mudança para um regime mais parecido com o que vigora no resto do mundo desenvolvi­do, onde impostos são cobrados no território e multinacio­nais não pagam tributos sobre os lucros obtidos em suas operações externas, torna o sistema mais eficiente.

Há possibilid­ade de que outros países resolvam seguir os EUA, provocando corrida global para a redução dos impostos corporativ­os, espécie de desvaloriz­ação competitiv­a por meio da tributação? É claro que há. Mas, isso não invalida o argumento

O fato é que as reformas nada fizeram para consertar nossas contas, nosso déficit elevado e nossa dívida galopante

de que ao menos uma parte da reforma de Trump foi, sim, positiva. É importante saber reconhecer os aspectos favoráveis de algumas reformas, ainda que não sejam implantada­s por seu líder favorito.

Para quem acaba de ler essa frase e acompanha o que tenho escrito sobre as reformas de Temer, o ponto pode parecer incongruen­te. Afinal, tenho sido crítica contumaz de tudo o que se anuncia como a melhor reforma. Jamais cedi à tentação fácil de afirmar ser uma reforma boa o suficiente simplesmen­te porque era diferente de tudo o que o governo anterior fazia – governo que, aliás, critiquei com veemência durante toda a sua vigência.

Contudo, o fato incontestá­vel é que as reformas brasileira­s nada fizeram para consertar nossas contas públicas, nosso déficit elevado, nossa dívida galopante. Essa tarefa ficará para o próximo governo que iniciará seu mandato com a obrigação inglória de pôr em marcha a inescapáve­l certeza tributária da elevação de impostos, deixando de lado, mais uma vez, a urgente reforma tributária de que o País necessita.

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