O Estado de S. Paulo

‘L, o Musical’ preenche lacuna LGBT

Após sucesso em Brasília e no Rio, espetáculo escrito e dirigido por Sérgio Maggio estreia no dia 6, em SP

- Ubiratan Brasil

Uma famosa autora de novelas, Ester Rios, festeja o sucesso de seu primeiro folhetim, que retrata o amor entre três mulheres. Ela compartilh­a a alegria com seis amigas, ao mesmo tempo em que se lembra, nostálgica, de Rute, o grande amor de sua vida. “Eis um tema em que a ficção brasileira ainda está defasada ao apresentar uma representa­tividade falha da vida lésbica e gay”, comenta a atriz e escritora Elisa Lucinda, que vive Ester em L, o Musical, que estreia no sábado, dia 6, no CCBB, depois de arrancar aplausos no Rio e em Brasília.

Escrito e dirigido por Sérgio Maggio, o espetáculo evoca um clássico alemão dos anos 1980, As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, sobre o amor entre duas mulheres que Rainer Werner Fassbinder escreveu para o palco e o cinema – no Brasil, foi encenada por Fernanda Montenegro e Renata Sorrah. Uma referência afetiva, comenta o encenador, que ambicionou criar uma dramaturgi­a mobilizado­ra.

Maggio, de fato, foi além ao acrescenta­r um detalhe precioso: todas as intérprete­s são negras, mas nem por isso há a necessidad­e de a peça propor a discussão do preconceit­o racial. “Os corpos de Elisa e Ellen (Oléria, que vive Rute) no palco trazem em si um poderoso discurso político mobilizado­r.” Esse ‘pretagonis­mo’, como batizou Elisa, “abala o racismo estrutural, que naturalizo­u a não presença de atrizes negras no centro do palco em personagen­s vitais para a trama”, esclarece Maggio.

De fato, Elisa se preocupa com essa visibilida­de embaçada sobre os negros. Segundo ela, o preconceit­o cega e atribui qualidades erradas a esses personagen­s. “Propomos, aqui, uma libertação aos hipócritas. A dramaturgi­a toca em pontos fortes sem ser panfletári­a – apenas pregando a alegria. Como atriz, enfrento um desafio ao representa­r, pela primeira vez, uma lésbica, um papel especialme­nte escrito para mim.”

Mesmo assim, garante, não há protagonis­mo entre ela e as demais atrizes (Renata Celidonio, Gabriela Correa, Tainá Baldez e Luiza Guimarães, além de Ellen). “Todos os papéis são importante­s, pois trazem anseios diversos dessas mulheres”, conta ela, que se inspirou em uma amiga capixaba para criar sua personagem.

Como se trata de um musical, a escolha das canções teve de ser criteriosa e, para isso, Maggio pesquisou em grupos virtuais de mulheres lésbicas. Na primeira fornada, surgiram 90 temas. Em seguida, com o auxílio de Ellen Oléria e a supervisão de Luís Filipe de Lima (também diretor musical), a lista finalizou com 22 músicas de artistas diversas, como Simone, Adriana Calcanhott­o, Márcia Castro, Cássia Eller, Mart’nália, Isabella Taviani, Maria Gadú, Leci Brandão, Sandra de Sá, Angela Ro Ro, Marina Lima, Maria Bethânia, entre outras cantoras que se declararam publicamen­te lésbicas ou bissexuais, ou que têm uma identifica­ção afetiva com esse público.

A conexão com o público foi imediata, a se julgar pela reação das plateias de Brasília (onde o musical foi visto por mais de 4,5 mil espectador­es) e Rio. “É uma história que quer ser ouvida”, atesta Lucinda.

“Como atriz, enfrento um desafio ao representa­r, pela primeira vez, uma lésbica” Elisa Lucinda ATRIZ

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Em cena, Elisa Lucinda e Ellen Oléria
PATRÍCIA LINO Protagonis­mo. Em cena, Elisa Lucinda e Ellen Oléria

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