O Estado de S. Paulo

Pequena notável

Em musical, Amanda Costa interpreta Bibi Ferreira.

- Ubiratan Brasil / RIO

Aos 95 anos, Bibi Ferreira parece não sentir o peso da idade, apesar das limitações naturais – seu 1,55m torna todos os palcos do mundo pequenos para abrigar a potência de sua voz. Foi o que essa dama da cena brasileira apresentou no início de dezembro, quando estreou o espetáculo Por Toda a Minha

Vida, no Rio de Janeiro. Na plateia, admiradore­s especiais: o elenco e a equipe criativa de Bibi, Uma Vida em Musical, que inicia temporada nesta sexta, dia 5, no Teatro Oi Casa Grande, também no Rio.

Trata-se da história familiar, profission­al e amorosa da artista. “Quando se diz que ela é uma força da natureza, não se exagera”, observou, emocionada, a atriz Amanda Acosta, encarregad­a de viver Bibi no palco. Para tanto, ela não apenas desenvolve­u uma incrível técnica para cantar ao estilo Bibi, mas também modificou o ritmo de sua voz para falar com a mesma cadência martelada. De olhos fechados, é possível acreditar que a verdadeira Bibi está em cena.

O Estado acompanhou um ensaio do musical, na Cidade das Artes, no Rio. Escrito por Artur Xexéo e Luanna Guimarães, o espetáculo acompanha todos os grandes momentos de Bibi Ferreira, desde seu nascimento, festejado pelo pai, o ator Procópio Ferreira (18981979), que a encaminhou para a carreira artística, até a consagraçã­o como intérprete de grandes musicais internacio­nais (My Fair Lady, O Homem de La Mancha, Alô, Dolly) e nacionais (Gota d’Água), sem se esquecer das homenagens que prestou a outros grandes intérprete­s, como Edith Piaf, Amália Rodrigues e Frank Sinatra.

“São tantos fatos importante­s que decidimos, durante a construção do roteiro, ambientar a história em um circo, onde a tradiciona­l peça apresentad­a por esses artistas conta a história de Bibi”, conta o diretor Tadeu Aguiar, convidado pelas produtoras Cláudia Negri e Thereza Tinoco para comandar o espetáculo por um bom motivo: além de sua experiênci­a em tramas musicais, Aguiar conhece Bibi há muito tempo. “Há pelo menos 38 anos”, confidenci­a ele, que vaticina: “Não é possível contar a história de Bibi sem recontar a história do teatro brasileiro”.

Tamanha intimidade faz diferença – e o público logo nota. A trajetória de Bibi é narrada (e comentada) pelos artistas do circo Queirolo comandados pelo Apresentad­or representa­do por Leo Bahia, sempre um ator versátil e exímio na comédia. “Bibi é ‘A’ artista brasileira”, diz ele. “Basta observar tudo o que ela fez em 76 anos de carreira.” Ao seu lado, estão a Cartomante (Flavia Santana) e a secretária de Bibi (Luisa Vianna), que tudo sabe sobre a artista.

Nascida Abigail Izquierdo Ferreira, em 1922, Bibi estava predestina­da pelo pai à carreira artística. “Não quero mais morrer! Nasceu a primavera da minha vida. Ganhei uma filhinha de nome Abigail, a quem chamarei de Bibi. Ela vai cantar, representa­r e fazer muitas coisas bonitas em um palco”, escreveu Procópio a um amigo. Ele não brincava em serviço: Bibi estreou no teatro com apenas 24 dias de vida, ao substituir no palco uma boneca que desaparece­ra pouco antes do início da peça Manhãs de Sol, escrita por seu padrinho, Oduvaldo Viana (pai), marido da cantora Abigail Maia. Bibi subiu ao palco no colo de sua madrinha, de quem herdara o nome.

Os críticos apontam Procópio Ferreira como um ator de comunicaçã­o exuberante, mestre ao matizar suas frases com as mais ricas inflexões, capaz de levar a plateia ao delírio com um simples revirar de olhos. E, desde seu primeiro êxito, em 1919, com Juriti, de Viriato Correa, sua carreira estendeu-se por seis décadas. A vida artística, no entanto, o obrigava a passar longos períodos longe de casa, o que reservou para Aida, a bailarina espanhola mãe de Bibi, a tarefa de educá-la.

“Era uma mulher muito disciplina­da e fez com que a filha aprendesse vários idiomas e também a tocar diversos instrument­os. Para Aida, Bibi não podia ficar parada”, observa Simone Centurione, que capricha no sotaque espanhol para abrilhanta­r o papel. E se engana quem pensava que Procópio era um pai relaxado,

preocupado apenas com sua carreira – a cada volta para casa, o ator se esmerava em apaziguar a ira da mulher ciumenta e, principalm­ente, a cercar de mimos a filha querida. “Procópio é um personagem fascinante, mas eu o descobri aos poucos”, conta Chris Penna. “Seu tom de voz, por exemplo, era de um barítono, bem mais grave que o meu. E, à medida que envelhecia, seu corpo ficou mais vergado, a cabeça mais grudada ao tronco e o nariz ficou mais avantajado, o que me obriga a usar uma prótese. É pelo físico que mostro a passagem do tempo”, continua o ator, que impression­a pela amplitude de recursos cênicos, exibindo desde a elasticida­de de um jovem Procópio até a fragilidad­e do homem mais idoso. Nenhuma pesquisa foi mais eficiente que a visita que o elenco fez à própria Bibi Ferreira. Encantada com a ideia do musical (“É uma grande emoção saber que há pessoas interessad­as em minha vida”), ela deu dicas valiosas a Amanda, além de emprestar um par de óculos escuros, sapatos e pelerine para a composição da atriz. Finalmente, a prótese de nariz usada por Penna foi criada pelo visagista Ulysses Rabelo a partir da máscara mortuária de Procópio, também do acervo de Bibi. Ao longo do espetáculo, são apresentad­as 33 canções, das quais cinco foram criadas especialme­nte por Thereza Tinoco. “Os atores não imitam simplesmen­te os personagem reais. Fazemos uma homenagem para cada um deles”, comenta Tadeu Aguiar.

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RODRIGO LOPES Herança. Bibi Ferreira (Amanda Acosta) e o pai, Procópio (Chris Penna)
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GUGA MELGAR Exibe tom de voz perfeito, semelhante ao de Bibi
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ARQUIVO ESTADÃO Pai e filha. Desde pequena, Bibi foi destinada ao teatro por Procópio

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