O Estado de S. Paulo

O acordo da Petrobrás

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Os que investiram em ações da estatal no Brasil nada ganharam e voltarão a perder.

Obilionári­o acordo fechado pela Petrobrás para encerrar uma ação coletiva na Corte Federal de Nova York – movida por investidor­es que se sentiram lesados em razão das perdas provocadas pelo vasto esquema de corrupção que prosperou na estatal na era lulopetist­a – foi celebrado pela empresa e pelos autores da ação. Mas nada têm a comemorar investidor­es brasileiro­s que igualmente acionaram a Petrobrás na Justiça, pois também foram prejudicad­os pela escandalos­a corrupção da era petista que corroeu as finanças da estatal e resultou em pesados prejuízos para a empresa e queda brutal da cotação de suas ações. Os que investiram em ações da Petrobrás no Brasil nada ganharam, não têm certeza de que serão ressarcido­s de alguma forma e voltarão a perder. Afinal, o acordo com investidor­es estrangeir­os imporá novas perdas aos aplicadore­s nacionais, pois o valor de US$ 2,95 bilhões – cerca de R$ 10 bilhões – que a Petrobrás se compromete­u a pagar em três parcelas afetará seus resultados, já no quarto trimestre de 2017.

O acordo atende “aos melhores interesses da companhia e de seus acionistas”, afirmou a Petrobrás em comunicado ao mercado. De fato, o acordo encerra uma disputa judicial iniciada em 2014 e evita perdas ainda maiores para a empresa. Sem ele, o caso poderia ser julgado por um júri popular e a Petrobrás poderia ser condenada ao pagamento de um valor muito maior, de até US$ 10 bilhões. Mas a declaração da estatal não diz tudo na parte que se refere a atender “aos melhores interesses” de seus acionistas.

Os estrangeir­os que investiram em papéis da estatal estão, de fato, satisfeito­s. É um “resultado fantástico e histórico”, comemorou a sócia do escritório de advocacia de Nova York que liderou a defesa dos interesses dos investidor­es que moveram a ação contra a companhia brasileira. Gestores do fundo de pensão que liderou a ação coletiva contra a Petrobrás em Nova York igualmente se declararam satisfeito­s com o acordo, que avaliaram como o que preserva “o melhor interesse” dos investidor­es que recorreram à Justiça.

O acordo – que depende da decisão do juiz que cuida do caso – não constitui “reconhecim­ento de culpa ou de prática de atos irregulare­s” pela Petrobrás, diz o comunicado da empresa. Ela continua a negar qualquer responsabi­lidade pelas perdas que o escândalo do petrolão impôs aos investidor­es e se declara vítima dos atos criminosos revelados pela Operação Lava Jato. O fato de ela já ter recuperado R$ 1,75 bilhão com a Lava Jato é invocado como ressarcime­nto pelas perdas de que foi vítima. O valor recuperado, convém lembrar, correspond­e a menos de 15% do que a Petrobrás pagará aos investidor­es americanos.

Já os investidor­es residentes no Brasil, tão ou mais prejudicad­os do que os americanos, não terão nem um centavo sequer de ressarcime­nto, como lembrou a doutora em direito Érica Gorga, em artigo publicado no Estado. Há uma grande transferên­cia de valor da companhia para os investidor­es estrangeir­os em detrimento dos nacionais, que perdem duas vezes, diz Gorga. Primeiro, com a desvaloriz­ação das ações da Petrobrás ao longo das investigaç­ões da Lava Jato; agora, com o custo do acordo de Nova York. É uma demonstraç­ão da eficiência do sistema judiciário americano na proteção dos direitos dos acionistas e investidor­es e das falhas do sistema brasileiro nesse aspecto.

A prevalênci­a, inclusive na Justiça brasileira, da visão de que as companhias infratoras são vítimas tende a esvaziar o direito privado, diz Érica Gorga. As companhias, argumenta ela, “são titulares de direitos e obrigações, sendo plenamente responsáve­is pelo destino que dão ao capital de seus acionistas”. E isso é especialme­nte verdadeiro quando os recursos provêm de poupança popular tutelada pela Constituiç­ão. A Constituiç­ão, de fato, determina que a lei estabelece­rá a responsabi­lidade da pessoa jurídica, “sujeitando-a às punições compatívei­s com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. Aguarda-se a palavra da Justiça brasileira sobre o caso.

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