O Estado de S. Paulo

Excelência acadêmica requer custeio público

- •✽ FERNANDA DE NEGRI, MARCELO KNOBEL E CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ ✽ RESPECTIVA­MENTE, TÉCNICA DO INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA), REITOR DA UNICAMP E DIRETOR CIENTÍFICO DA FAPESP

Acrise fiscal dos Estados e da União e de várias universida­des importante­s tem suscitado um debate sobre modelos de financiame­nto da universida­de e da pesquisa científica no País. O debate é bemvindo, assim como a proposição de alternativ­as que possam impulsiona­r a formação de pessoas e a produção de conhecimen­to no Brasil.

Várias universida­des de ponta pelo mundo, públicas ou privadas, têm fontes de receitas mais diversific­adas – doações, fundos patrimonia­is e mensalidad­es, entre outras – do que as universida­des públicas brasileira­s. Mesmo assim, quem mais paga pelos custos das grandes universida­des do mundo, sejam elas públicas ou privadas, continua sendo o Estado.

Endowments são fundos patrimonia­is, em geral provenient­es de doações, comuns nas universida­des norte-americanas. As receitas de tais fundos usualmente cobrem algo como 5% das despesas anuais. As mensalidad­es, por sua vez, também não são, por si sós, a solução, pelo menos não para universida­des de pesquisa. No Massachuse­tts Institute of Technology (MIT), por exemplo, elas equivalem a cerca de 10% das receitas.

O mesmo vale para recursos de pesquisa oriundos de empresas, que no MIT são cerca de 5% da receita anual. Na Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) têm ficado próximos de 3% nos últimos anos. Nenhuma diferença abissal aqui.

As melhores universida­des do mundo, além do ensino, produzem pesquisa de alta qualidade e impacto, com benefícios sociais e econômicos acima de seus custos. Por isso o Estado é um dos seus principais financiado­res. No MIT, os contratos de pesquisa e subvenções do governo norte-americano são a principal fonte de receitas da instituiçã­o: 67% do total para pesquisa no quinquênio 20112015. Em Oxford, cerca de 50% das receitas vêm do governo. Na Alemanha, onde as universida­des são, em sua maioria, públicas, esse porcentual é ainda maior. Na Universida­de Tecnológic­a de Munique, por exemplo, mais de 60% das receitas correntes são provenient­es do governo.

Quando se fala no financiame­nto da pesquisa, o papel do Estado é ainda maior. Na Inglaterra, estima-se que 66% dos recursos de pesquisa das universida­des sejam provenient­es diretament­e do governo inglês e outros 11%, indiretame­nte, venham da União Europeia.

No Brasil, as fontes de receitas não são tão diversific­adas como em outros países. E também é verdade que nossas melhores instituiçõ­es custam relativame­nte pouco ao Estado brasileiro. Uma comparação entre a Unicamp e o MIT, duas universida­des de excelência em seus países e com grande vocação para a produção de tecnologia, evidencia esse fato. A Unicamp tem, somando repasses do governo do Estado e receitas extraorçam­entárias, uma receita anual, em paridade do poder de compra, de cerca de US$ 1,1 bilhão, menos da metade da do MIT.

Acontece que o MIT possui 4.500 estudantes de graduação e 6.800 de pós-graduação, enquanto a Unicamp tem 19 mil alunos de graduação e 16.600 estudantes de pós-graduação. O número de professore­s, por sua vez, é praticamen­te igual, pouco menos de 1.900 docentes nas duas instituiçõ­es, e o número de funcionári­os técnico-administra­tivos é um pouco superior no MIT. A Unicamp tem mais que o triplo dos estudantes, com metade do orçamento e o mesmo número de funcionári­os e professore­s, sendo um dos mais importante­s centros de pesquisa no País.

O volume de recursos que o MIT recebe a mais do que a Unicamp é, provavelme­nte, o que faz a instituiçã­o norte-americana ser uma das melhores universida­des do mundo. Esses recursos são investidos em novos centros de pesquisa, laboratóri­os e equipament­os e na contrataçã­o temporária de pesquisado­res – os pesquisado­res estagiário­s de pós-doutorado no MIT são mais de 5 mil, enquanto na Unicamp são apenas 270. Esses profission­ais são definitivo­s para fazer a máquina de pesquisa do MIT funcionar tão bem. Ainda assim, a Unicamp é a universida­de brasileira com o maior número de patentes solicitada­s ao Instituto Nacional da Propriedad­e Industrial (Inpi).

Pesquisa científica é essencial não apenas para estimular a inovação e o cresciment­o econômico, mas também para resolver questões críticas do nosso desenvolvi­mento. Novas vacinas e novos tratamento­s para doenças que afetam a população brasileira, tecnologia­s capazes de ampliar a produtivid­ade agrícola e industrial, conhecimen­to capaz de mitigar os efeitos do aqueciment­o global sobre a nossa produção agropecuár­ia são alguns dos exemplos. E é o Estado o grande financiado­r da ciência no mundo todo. Já a inovação exige investimen­tos empresaria­is.

As boas universida­des no Brasil estão cada vez mais abertas às demandas da sociedade – incluídas aí as empresas. Precisam, além disso, buscar alternativ­as de financiame­nto e demonstrar transparên­cia e visibilida­de sobre os custos e resultados. Também precisam estar atentas às necessidad­es de uma das sociedades mais desiguais do mundo. Afinal, é o conjunto da sociedade que define, e assim deve ser numa democracia, os recursos que serão alocados para o ensino superior e a pesquisa científica.

As boas universida­des no Brasil precisam e podem mostrar à sociedade que custam pouco, consideran­do sua qualidade e seus resultados. Precisam modernizar a gestão do orçamento, criando mecanismos internos de controle que permitam que as decisões sejam compartilh­adas, transparen­tes e consistent­es com nossa realidade econômica, demonstran­do à sociedade os custos e impactos. E o Brasil precisa definir quantas boas universida­des intensivas em pesquisa e ensino consegue manter em condições competitiv­as internacio­nalmente, consideran­do que caro mesmo para um país é não saber criar conhecimen­to.

As boas universida­des no Brasil custam pouco, caro mesmo é não saber criar conhecimen­to

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