O Estado de S. Paulo

A síndrome das 11 ilhas

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Obalanço das atividades do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, divulgado pelo site especializ­ado em questões jurídicas Jota, revela que a Corte mais uma vez manteve a tendência de priorizar as decisões monocrátic­as, em detrimento das decisões colegiadas. Foram 113 mil decisões individuai­s para um total de 44 mil casos. Em 2007, os 11 ministros da Corte adotaram 131 mil decisões monocrátic­as, mas para um total de 129 mil ações. Em 2016, cada ministro decidiu sozinho em 84% das ações em que atuou.

O aumento do número de decisões monocrátic­as é mais um sinal dos problemas estruturai­s que o Poder Judiciário vem apresentan­do. Afinal, os tribunais superiores são órgãos colegiados por natureza. E, pela Constituiç­ão, quando um cidadão recorre a essas cortes, ele tem o direito de ser julgado pelo plenário, e não por um magistrado individual­mente. Nos julgamento­s de plenário, ministros com diferentes inclinaçõe­s doutrinári­as debatem, divergem e examinam cada caso com profundida­de e transparên­cia, o que legitima a decisão dada e reforça a credibilid­ade da corte, pois a divergênci­a é um pressupost­o da democracia. Já as decisões tomadas solitariam­ente pelos ministros em seus gabinetes, sem troca de ideias, tendem a ser opacas. Além de estimulare­m o personalis­mo e o protagonis­mo, as decisões monocrátic­as podem resultar de vieses corporativ­os e até das preferênci­as políticas de cada magistrado em matérias tão díspares como pacto federativo, crime ambiental e casamento homoafetiv­o. E abrem caminho para o uso abusivo dos pedidos de vista – e, aí, não se sabe quando o caso retornará à pauta, como ficou evidenciad­o no processo que contesta o pagamento de auxíliomor­adia para a magistratu­ra, que o ministro Luiz Fux demorou três anos para devolver.

No caso do Supremo, que nos dois últimos anos declarou inconstitu­cionais diversas leis e até emendas à Constituiç­ão aprovadas pelo Congresso, fiscalizou o processo de impeachmen­t de uma presidente da República, decidiu o afastament­o e a prisão de parlamenta­res denunciado­s por crime de corrupção, determinou a soltura de políticos envolvidos em esquemas criminosos e restringiu o uso das conduções coercitiva­s, o excesso de decisões monocrátic­as é ainda mais grave. Entre outros motivos, porque pode agravar problemas econômicos, como ocorreu recentemen­te com a liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowsk­i, suspendend­o a MP que eleva de 11% para 14% a contribuiç­ão previdenci­ária dos servidores públicos mais bem remunerado­s, bem como a que posterga aumento em má hora concedido ao funcionali­smo. Também pode desorganiz­ar a estrutura federativa do País, como tem acontecido com a suspensão de leis aprovadas pelos Estados.

“O tempo médio até que o plenário possa avaliar uma decisão monocrátic­a ou uma liminar retida unilateral­mente é de 747 dias. É a politizaçã­o monocrátic­a. Um ministro não tem o direito de usar o tempo processual para fazer prevalecer sua decisão. Assim, em vez de garantir a segurança, o Supremo pode aumentar a inseguranç­a jurídica. É antidemocr­ático. A individual­ização comportame­ntal de alguns ministros é a porta de entrada para a politizaçã­o e transforma­ção do legal no ilegítimo”, diz um dos mais respeitado­s estudiosos do Supremo, Joaquim Falcão, professor da Fundação Getúlio Vargas e autor do livro Onze Supremos: o STF em 2016. Além de “fragmentar a jurisdição do Supremo, o excesso de decisões monocrátic­as, que não representa­m a avaliação do pleno sobre o julgado, custa ao colegiado o esgarçamen­to de sua autoridade e de sua credibilid­ade”, tem afirmado o ex-presidente da Corte José Paulo Sepúlveda Pertence, para quem a mais alta Corte do País estaria sofrendo do que chama de “síndrome das 11 ilhas”.

O balanço do Supremo de 2017 não só reforça essas críticas, como também revela que a Corte – longe de formar um conjunto – está se convertend­o num simples somatório de atuações individuai­s, o que pode gerar graves consequênc­ias institucio­nais.

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