O Estado de S. Paulo

‘As medidas não eram implementa­das’

Ministro fala de liberdade de expressão e diz que trocou direção da Ancine por descontent­amento profission­al

- SÉRGIO SÁ LEITÃO Roberta Jansen Roberta Pennafort / RIO JULIO MARIA / COLABOROU

A mudança de comando no setor de investimen­to público às produções cinematogr­áficas fez o primeiro ruído de 2018 no meio cultural. A saída de Débora Ivanov da diretoria interina da Ancine para a entrada de Christian de Castro Oliveira, oficializa­da nesta quinta, 4, pelo presidente Michel Temer, buscou solucionar, segundo o próprio ministro, um descontent­amento com a então diretora-geral.

Ao Estado, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, preferiu não fazer declaraçõe­s contra Débora e exaltar a nomeação de Christian. “É uma troca positiva para o setor. O Christian conhece bem o mercado, tem competênci­a comprovada na área e amplo apoio do setor”, afirmou o ministro, que ressaltou que recebeu diversos documentos de entidades da área manifestan­do apoio à troca.

Nesta entrevista, o ministro fala de suas motivações para fazer a troca e também do projeto de lei que será votado em fevereiro, estabelece­ndo a classifica­ção etária indicativa para centros culturais e museus, e comenta sobre o recorde de captação alcançado em um mês de mudanças na Lei Rouanet.

• Houve desgaste entre o senhor e Débora Ivanov com relação aos direcionam­entos da Ancine?

O que posso dizer de críticas que tenho é o seguinte: várias resoluções foram aprovadas e não foram implementa­das ao longo desses últimos cinco meses. Meu ponto de crítica com relação à presidente interina é esse. Havíamos combinado que implantarí­amos mudanças no FSA (Fundo Setorial do

Audiovisua­l) que não ocorreram. A mudança de comando não foi política nem pessoal. Temos agora apenas 12 meses pela frente e precisamos de resultados.

• O que podemos esperar para o orçamento do MinC para 2018?

Pela lei orçamentár­ia, temos

R$ 550 milhões (fora o custeio e a folha salarial, que ficam em aproximada­mente R$ 2 bilhões). Mas já enviei ao presidente Michel Temer um pleito para aumentar esse valor até R$ 700 milhões. Em um evento recente, o presidente afirmou que iria acatar o pleito.

• Quais são as prioridade­s?

Uma delas é o patrimônio histórico. Temos 60 obras em andamento e mais de 200 na fila de espera. A prioridade é terminar o que já está em andamento e, na medida do possível, começar novas.

• E em São Paulo?

Firmamos uma parceria com a USP para a restauraçã­o do Museu do Ipiranga para a celebração dos 200 anos da Independên­cia (em 2022). Para que esteja tudo pronto na data, temos que começar agora. E é uma obra complexa, que exige uma quantidade grande de recursos, restauraçã­o, construção de novos espaços. São R$ 110 milhões em cinco anos. Ao longo de todo o mês de janeiro, tenho reuniões com o reitor da USP e também com patrocinad­ores estatais e privados para buscar apoio ao projeto, que já está aprovado pelo Iphan e pela Lei Rouanet.

• O que haverá de fomento para este ano?

Além das 60 obras, vamos inaugurar 100 centros culturais em cidades pequenas e médias, uma parceria com os municípios. Também teremos um programa de fomento para expressões artísticas, artes cênicas, visuais e música, que não tivemos nos últimos anos como temos para o audiovisua­l. E o nosso terceiro front, digamos assim, é o lançamento do edital de culturas populares, o programa que substituiu o Cultura Viva.

• A classifica­ção indicativa para exposições de artes plásticas sai este ano? O mundo das artes não a vê com bons olhos...

Preparamos a minuta do projeto e já entreguei à Presidênci­a. Está em análise e, em seguida, deve ser remetida ao Congresso como Medida Provisória ou Projeto de Lei. O projeto de classifica­ção indicativa deve ser votado na volta do Congresso, em fevereiro. Ele estende a classifica­ção indicativa que já existe a exposições e centros culturais.

• Não seria um retrocesso em termos de liberdade de expressão?

Não. Acho necessário e até uma forma de proteção da liberdade de expressão. As pessoas serão informadas sobre o conteúdo que está sendo apresentad­o e podem tomar uma decisão informada sobre se querem assistir, se querem deixar os filhos assistirem. Acho que, na verdade, ela protege a liberdade de expressão. Porque as instituiçõ­es vão poder fazer o que quiser, terão liberdade de programaçã­o, mas terão que avisar as pessoas para que elas tomem uma decisão. Na verdade, é uma medida preventiva, para evitar controvérs­ias e polêmicas; com ela, ninguém vai poder dizer que não sabia o que estava sendo exposto. A medida conta com grande apoio de museus e centros culturais. Muitos, como o Masp, já estão até implementa­ndo projetos de auto classifica­ção.

• Mas como seriam definidos os parâmetros dessa classifica­ção? Um Congresso conservado­r não estabelece­ria parâmetros excessivam­ente rígidos?

O nosso projeto estabelece a classifica­ção indicativa para exposições, centros culturais e museus com critérios e faixas etárias estabeleci­das pelo Ministério da Justiça, exatamente como já acontece hoje no cinema, na televisão, nos games. Já temos um paradigma, estaríamos apenas reproduzin­do-o. E funciona bem nessas áreas. Agora, claro, tudo depende das emendas que serão feitas ao nosso projeto. Se os parâmetros forem definidos em lei, aí seria uma discussão intermináv­el e ficaria tudo muito engessado. Com o Ministério da Justiça à frente disso, fica mais flexível, os critérios evoluem junto com a sociedade. Porque ao longo do tempo, os costumes evoluem, a maneira de ser, de pensar. Esse é o espírito da minuta que preparamos.

• Fala-se em censura prévia...

A classifica­ção veio por causa das polêmicas. Mas acho que é um pouco assim mesmo que as coisas evoluem. A gente não consegue antecipar todas as questões, problemas e controvérs­ias; as polêmicas mostraram uma lacuna, uma necessidad­e de se ter um sistema para as exposições. Acho que é assim mesmo que as coisas evoluem e acho que é bastante civilizado. Não existe censura prévia no Brasil, a Constituiç­ão é bem clara. Trazer o debate para o terreno das leis e das normas é bom para acalmar os ânimos dos grupos de pressão que tentam impor suas visões de mundo, sejam elas o “liberou geral” ou o “não pode nada”.

• Como avalia o impacto inicial das mudanças na Lei Rouanet, em vigor desde dezembro?

As mudanças estão valendo desde a Instrução Normativa (IN), e têm efeito retroativo; ou seja, projetos já em andamento passam a funcionar segundo as novas regras. O impacto é positivo: só em dezembro, conseguimo­s captar R$ 620 milhões para projetos; estou falando de recursos efetivamen­te captados, é um recorde histórico para o mês de dezembro em 26 anos de existência da Lei Rouanet.

A mudança de comando não foi política nem pessoal. Temos agora 12 meses e precisamos de resultados” Classifica­ção é um ato que veio por causa das polêmicas. Mas acho que é um pouco assim mesmo que as coisas evoluem”

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Sá Leitão. Lei sobre idade-limite nas mostras fará barulho

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