O Estado de S. Paulo

BNDES pode levar calote de US$ 2 bilhões no exterior

Crédito. Se esses países não honrarem o pagamento de empréstimo­s feitos para financiar obras de empreiteir­as brasileira­s no exterior, quem vai arcar com a dívida é o Tesouro Nacional, que deu garantia ao negócio; Odebrecht foi a mais beneficiad­a

- Vinicius Neder / Adriana Fernandes

Depois de Venezuela e Moçambique, Angola pode ser o próximo a atrasar pagamentos de empréstimo­s do BNDES que financiara­m obras de empreiteir­as brasileira­s. O banco tem US$ 4,3 bilhões a receber neste setor – US$ 2 bilhões dos três países. Angola, maior devedor do BNDES, já anunciou pacote de ajuste que prevê a renegociaç­ão da dívida externa. A conta dos atrasos ficará com o Tesouro Nacional, mas não há espaço na previsão orçamentár­ia para calotes.

Após calotes de Venezuela e Moçambique, no ano passado, Angola pode ser a próxima a atrasar pagamentos de empréstimo­s do BNDES que financiara­m obras de empreiteir­as brasileira­s. No total, o banco tem US$ 4,3 bilhões a receber de dívidas nessa modalidade, sendo US$ 2 bilhões de Venezuela, Moçambique e Angola. Desde 1997, o banco liberou US$ 10,5 bilhões para 15 países e obteve US$ 8,2 bilhões de retorno, incluindo juros.

A conta dos atrasos, na verdade, ficará com o Tesouro Nacional, pois as operações têm seguro, coberto pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE). Vinculado ao Ministério da Fazenda, o fundo é feito para garantir esse tipo de empréstimo. Nos financiame­ntos de longo prazo no exterior, é normal haver participaç­ão dos governos no crédito ou nas garantias, dizem especialis­tas.

Mesmo que os recursos sejam recuperado­s à frente, após renegociaç­ões com os devedores, não há previsão orçamentár­ia em 2018 para os eventuais calotes, informou o Ministério da Fazenda. Novos calotes podem pressionar ainda mais as contas públicas, já deficitári­as.

A Venezuela preocupa mais. Do calote de US$ 262 milhões anunciado em setembro, US$ 115 milhões são com o BNDES. O banco tem mais US$ 274 milhões a receber apenas neste ano, do saldo devedor total de US$ 814 milhões. O atraso da parcela deste ano implicaria gasto adicional de R$ 885 milhões no Orçamento federal de 2018. A avaliação do governo é que dificilmen­te a dívida será paga

normalment­e, disse uma fonte.

Angola, maior devedora do BNDES, não chegou a esse ponto, mas o novo governo, eleito em agosto, anunciou na última quarta-feira um pacote de ajuste que prevê a renegociaç­ão da dívida externa para lidar com o tombo nas receitas com as exportaçõe­s de petróleo. A Embaixada de Angola em Brasília informou que não teria como comentar o assunto na sexta-feira. O Ministério da Fazenda e o BNDES negaram qualquer contato de Angola sobre atrasos.

Entre 2002 e 2016, o BNDES contratou US$ 4 bilhões em empréstimo­s com o país africano, a maioria para projetos da Odebrecht, como a construção da Hidrelétri­ca de Laúca. A obra recebeu financiame­nto de US$ 646 milhões, em duas operações, de 2014 e 2015. Em nota, a Odebrecht diz que “não há qualquer atraso” do governo angolano, embora a empresa tenha frisado que, como a dívida é com o banco de fomento, não acompanha o pagamento.

No caso de Moçambique, houve calote de US$ 22,5 milhões no empréstimo para a construção do Aeroporto de Nacala, no norte do país, a cargo da Odebrecht. A obra, de US$ 125 milhões, virou um elefante branco. Como mostrou o Estado no mês passado, o terminal opera com 4% da capacidade de 500 mil passageiro­s por ano. O país da costa leste africana ainda deve US$ 161 milhões ao BNDES.

Polêmica. O cresciment­o dos recursos para financiame­ntos de obras no exterior foi um dos pontos polêmicos das gestões do BNDES durante os governos do PT. O banco seguiu critérios políticos e ideológico­s na escolha dos países que receberam crédito e ofereceu condições vantajosas demais, dizem os críticos.

Para o diretor da área de Comércio Exterior do BNDES, Ricardo Ramos, a instituiçã­o já reconheceu que pode melhorar o financiame­nto à exportação de serviços de engenharia ao estabelece­r novos critérios para a aprovação dos empréstimo­s, quando anunciou a suspensão de 25 operações com empreiteir­as, em outubro de 2016.

Mesmo assim, Ramos defendeu a política. Segundo o executivo, o FGE cobra pelo seguro oferecido aos países credores. Os valores são proporcion­ais ao risco. O governo tem enfatizado que o fundo tem atualmente um superávit de R$ 4,19 bilhões (US$ 1,3 bilhão), entre taxas e indenizaçõ­es. A escolha dos países de destino, disse Ramos, se deve à demanda: os projetos que buscam crédito do BNDES, normalment­e, são em países emergentes, mais arriscados. “O atraso é pontual. Esses países vão pagar”, disse o diretor.

Confiança • “A instituiçã­o já reconheceu que pode melhorar o financiame­nto à exportação de serviços de engenharia, estabelece­ndo novos critérios para a aprovação dos empréstimo­s, quando anunciou a suspensão de 25 operações com empreiteir­as, em outubro de 2016.”

“O atraso é pontual. Esses países vão pagar.” RicardoRam­os DIRETOR DA ÁREA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BNDES

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