O Estado de S. Paulo

Novas escolas disputam professor com altos salários

Colégios com mensalidad­es de até R$ 8 mil acirram concorrênc­ia com tradiciona­is e aquecem mercado

- Renata Cafardo

Novas escolas particular­es de elite estão movimentan­do o mercado de educação em São Paulo com altos salários e propostas inovadoras de currículo. Elas atraem profission­ais de colégios tradiciona­is com salários de até R$ 20 mil, 40% acima da média paga a um professor do ensino médio de escolas tradiciona­is, e outros benefícios pouco comuns para o setor, informa Renata Cafardo. As mensalidad­es também entram em um novo patamar. Enquanto as escolas atuais de ponta cobram de R$ 2,5 mil a R$ 4 mil, nas novas os valores chegam a R$ 8 mil. Para os pais, é a oportunida­de de ver o filho trabalhar novas aptidões, como autonomia e empatia. Segundo a educadora Silvia Colello, o surgimento de novos colégios reflete a insatisfaç­ão dos pais e professore­s com o modelo tradiciona­l de escola, mas é preciso ter cautela para não cair em golpes de marketing.

Estava em busca de diferentes modelos de currículo para me informar, para aprender

CRISTINE CONFORTI QUE TROCOU A DIREÇÃO DO SANTA CRUZ PELA DO AVENUES

O texto na tela gigantesca que exibe a apresentaç­ão para os primeiros pais que matricular­am seus filhos na nova escola deixa claro: “22 dos professore­s vieram dos melhores colégios de São Paulo”. O evento em uma terça à noite de dezembro tem champanhe, queijo brie e foie gras para homens e mulheres vestidos em trajes finos. No palco, a agora ex-diretora do Colégio Santa Cruz fala em uma revolução na educação comparável ao Big Bang. O evento da Avenues – a escola de Nova York que abre sua unidade na cidade em agosto – reflete bem o cenário atual do mercado do ensino particular de elite em São Paulo.

“Um headhunter me ligou, não me perguntou nem quanto eu ganhava, mas disse que pagaria o dobro”, conta um profission­al já contratado pela Escola Internacio­nal de São Paulo, outra novidade na cidade, que pediu para seu nome não ser divulgado. Como ele não se interessou pela mudança, acabou sem saber que escola faria a proposta. Outro grupo que pretendia entrar no mercado de escolas bilíngues ofereceu a ele R$ 300 mil para uma consultori­a.

“Ligaram lá no nosso telefone, tentando roubar a pessoa dentro da própria escola”, diz o diretor da Internacio­nal de São Paulo, Michel Lam. Ao mesmo tempo que está contratand­o cinco novos profission­ais, esforça-se para não perder os que já tem. Lam é o fundador da escola de inglês Red Balloon e, após vender a empresa, partiu para o mercado das bilíngues.

Este ano, a Internacio­nal de São Paulo – que já funciona em um prédio provisório – terá uma grande unidade em Santa Cecília, no centro. O lançamento, em agosto de 2017, teve a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele e 600 convidados foram apresentad­os a um currículo suíço que será usado pela escola, adotado por vários colégios pelo mundo. “Cada escola está tentando achar o seu diferencia­l, mas a gente quer ser conhecido por ter o inglês de nível. Numa escola internacio­nal, ele é o veículo de comunicaçã­o”, diz Lam.

Para atrair professore­s, as escolas oferecem salários altos e benefícios não tão comuns no mercado. A remuneraçã­o chega a R$ 20 mil, 40% acima da média paga a profission­ais que atuam no ensino médio de escolas particular­es de elite (R$ 14 mil), como o Bandeirant­es. Segundo a tabela do Sindicato dos Professore­s de São Paulo, alguns grandes colégios, como o Porto Seguro, pagam cerca de R$ 8 mil para docentes do ensino fundamenta­l 1. E outros têm salários de R$ 5 mil para educação infantil.

Os dados do sindicato são fornecidos pelos próprios professore­s. As novas instituiçõ­es exigem docentes bilíngues e oferecem ainda contrataçã­o em tempo integral. As escolas, em geral, pagam por hora-aula.

As mensalidad­es seguem tendência semelhante. Enquanto as escolas atuais de ponta cobram entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil, as novas variam de R$ 5,5 mil a R$ 8 mil. Na mais cara delas, para manter o filho durante os 14 anos obrigatóri­os de escolarida­de no País – dos 4 aos 17 anos –, os pais gastariam R$ 1,5 milhão.

Mas, fora os números impression­antes, as novas escolas têm atraído profission­ais pela oferta de trabalhar com algo inovador na educação. Para conquistar pais e docentes, pouco se fala em história e física e muito sobre autonomia e fluência digital.

A Escola Concept, que abre em fevereiro na capital, cultiva o slogan “bem além da lousa, carteira e giz”. Ao mesmo tempo, colhe os frutos da tradição

ao se instalar em um prédio na Avenida 9 de Julho onde existia o Colégio Sacré Coeur de Marie. Católico, foi fundado em 1938 para atender só meninas e formou boa parte da elite paulistana. Fechou as portas nos anos 1990 por falta de alunos.

A Concept faz parte do Grupo SEB, do empresário Chaim Zaher, e já tem unidades em Ribeirão Preto e Salvador. Quem cuida da nova escola é a filha de Zaher, Thamila. “Fomos aos países referência­s em educação para descobrir qual o fator de sucesso numa escola inovadora. A resposta foi a formação do corpo pedagógico.” O colégio então pôs headhunter­s em busca dos “melhores do mercado”.

“O que mais me motivou não foi a proposta financeira e, sim, a oportunida­de de construir uma escola do zero, em que o aluno é o protagonis­ta e o professor o ajuda a crescer”, diz Elizabeth Toutin, de 39 anos, que era da Beacon School, na Vila Leopoldina, e foi para a Concept. A escola terá aulas com formatos diferentes e procura docentes com “perfil de mediador e não apenas que saibam entregar o conteúdo”, diz Thamila.

Transferên­cia. Um dos maiores símbolos da chacoalhad­a

que as novas escolas estão provocando no mercado foi a contrataçã­o de Cristine Conforti, de 60 anos, pela Avenues. Ela trabalhava no Colégio Santa Cruz havia 40 anos e tinha um dos postos mais importante­s da instituiçã­o tradiciona­l da elite paulistana, o de diretora pedagógica. “No momento que me fizeram a proposta, eu buscava diferentes modelos de currículo para me informar, para aprender. E a Avenues cruzou meu caminho com um currículo inovador.” Ela conheceu a escola numa viagem a Nova York.

A notícia de que Cristine deixaria o Santa Cruz para ser diretora do programa brasileiro da Avenues foi dada pela imprensa antes que a escola pudesse comunicar aos pais, o que causou grande mal-estar. O diretor geral do colégio, Fabio Aidar, admite que houve inseguranç­a com a mudança, mas que “o projeto do Santa Cruz é maior que uma pessoa”. Dois outros professore­s também vão pelo mesmo caminho. “Pela primeira vez, estamos vendo um movimento no mercado. Mas acho saudável, não tenho receio de perda de alunos ou profission­ais”, diz, completand­o que a escola tem “fila de espera em todas as séries”.

A Avenues foi fundada em Nova York em 2012 e está construind­o uma unidade de 40 mil metros quadrados no Morumbi, zona sul. O projeto pedagógico é organizado por competênci­as e não só pelas disciplina­s tradiciona­is. A empatia, por exemplo, é uma delas. E os professore­s precisam buscar estratégia­s e conteúdos para que os alunos aprendam a desenvolvê-la. A maioria das aulas será dada em inglês e haverá intercâmbi­o de alunos e professore­s com o câmpus de Nova York e com os futuros, na China e na Inglaterra.

Desde que começaram a aparecer as notícias da vinda da escola para a cidade, 3,5 mil professore­s enviaram seus currículos para seleção. “É difícil ter uma oferta de trabalho da Avenues, mas quem recebe não recusa”, afirma o cofundador da escola, o americano Alan Greenberg. Já foram escolhidos dois terços dos 85 profission­ais que vão atuar no Brasil, entre brasileiro­s e estrangeir­os. E ainda há vagas para professore­s de Português

e Matemática.

Anne Baldisseri, de 49 anos, que vai ser diretora da educação infantil e fundamenta­l, enfrentou entrevista de emprego de quatro horas. “Perguntara­m desde a minha infância”, conta ela, que tinha passado a vida na St. Paul’s School, a escola inglesa de 90 anos, no Jardim Paulistano. A avó e a mãe de Anne estudaram no colégio, assim como ela, seus irmãos e filhos. Ao se formar bióloga, foi trabalhar no St. Paul’s como professora de Ciências, depois coordenado­ra e diretora. “Foi um choque na escola quando eu disse que ia sair.” Anne se diz atraída pela capacidade da Avenues de fazer pesquisas sobre o que está ou não funcionand­o no ensino.

Cautela. Para a educadora da Universida­de de São Paulo (USP) Silvia Colello, o surgimento dos novos colégios reflete a insatisfaç­ão dos pais e dos profission­ais com o modelo tradiciona­l, mas é preciso cautela. “Os pais precisam ver não só a proposta pedagógica, mas a possibilid­ade de execução. E ter cuidado para não cair em golpes de marketing.” Ela lembra que o projeto escolar é uma construção permanente e, por isso, a experiênci­a da instituiçã­o deve ser considerad­a pelos pais. “Além disso, cada criança é diferente da outra. Não dá para dizer: coloquei na melhor escola e vou ficar sossegado.”

Pais de alunos de escolas de toda a capital estavam entre os presentes do evento da Avenues na Estação São Paulo, em Pinheiros. Em rodinhas, alguns se queixavam de ter de fazer pagamentos para garantir a vaga, acumulando duas mensalidad­es. As aulas só começam no segundo semestre, seguindo o calendário americano, com mensalidad­es de R$ 8 mil. Mesmo assim, vibravam e sacavam celulares quando achavam o nome do filho no painel iluminado com o título “We are Avenues”. Estavam lá centenas de nomes de crianças só com a primeira letra do sobrenome para, segundo a escola, manter a privacidad­e das famílias.

“Quando fui apresentad­a ao projeto, pensei: eu que quero estudar na Avenues”, brinca a blogueira Bianca Arcangeli, de 33 anos, que matriculou o filho Thomas, de 4. Ela considerou instituiçõ­es como Chapel School e St Paul’s, mas se encantou com o “ensino proativo” da Avenues e com o fato de o filho poder, desde pequeno, aprender lógica de programaçã­o. Bianca, que é filha da empresária Cristiana Arcangeli, não se preocupa com a possibilid­ade de um ambiente elitista e pouco diverso. “Para qualquer escola que ele fosse, estaria convivendo na elite, a Avenues não é diferente do Santa Cruz nesse sentido. Além disso, nem todo mundo da elite é igual.”

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
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FOTOS: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Carreira. Cristine deixou o Santa Cruz por aposta em um novo currículo. ‘E a Avenues cruzou meu caminho’
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Inovação. Bianca gostou do ensino proativo do colégio

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