O Estado de S. Paulo

Governo iniciou 2018 com o pé esquerdo e põe em xeque votação da Previdênci­a.

- Vera Magalhães

Ogoverno Michel Temer está empenhado em votar a reforma da Previdênci­a agora e não medirá esforços para isso, certo? A julgar pelas notícias destes primeiros dias de 2018 parece difícil de acreditar. Com a votação pela Câmara marcada para 19 de fevereiro, ou seja, logo ali, Temer assiste a uma debandada de ministros, sem que os indicados para suceder-lhes se comprometa­m com a aprovação da mudança nas aposentado­rias e pensões.

Para além das desculpas de cada um para abandonar o barco, a impressão geral que essas saídas prematuras causa é a de que, candidatos, os auxiliares de Temer não queriam se compromete­r com a articulaçã­o de uma reforma que ainda é impopular, apesar das campanhas de esclarecim­ento sobre sua necessidad­e e urgência.

Num governo mais estruturad­o, o presidente seguraria os afoitos para que só fizessem a marola depois da votação na Câmara e condiciona­ria a manutenção dos espaços dos partidos à aprovação da medida – afinal, uma coalizão tem de valer justamente para propostas que mudam os rumos do país, e não apenas para salvar a pele do presidente.

Não foi o que aconteceu. Os demissioná­rios trataram logo de vazar que estavam de malas prontas, as negociaçõe­s para sua reposição enveredara­m pelos critérios lastimávei­s de sempre e quem entra não fez sequer uma declaração pró-Previdênci­a.

Não bastasse a evidência de que a equipe – que já não era lá grandes coisas desde sempre – está se esfaceland­o, o próprio presidente foi pego negociando uma medida que vai na contramão dos propósitos apregoados para fazer a reforma.

Uma articulaçã­o que envolve a equipe econômica, o Planalto e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia – justamente os responsáve­is por obter os 308 votos a favor da reforma – quer mexer na chamada regra de ouro, princípio basilar da Lei de Responsabi­lidade Fiscal, que impede o governo de emitir dívida para pagar despesas correntes, empurrando a conta para os futuros governos.

Uma norma que é conhecida como “regra de ouro” deveria ser uma cláusula pétrea, não sujeita a revisões circunstan­ciais. Para um governo que usa a cantilena do ajuste fiscal para angariar apoio para a reforma da Previdênci­a, está feito o desastre.

Nem Dilma Rousseff, campeã em pedaladas e grande responsáve­l pelo desastre fiscal em que o País se encontra, ousou propor a mexida na regra.

Os defensores de Temer hão de retrucar que a “necessidad­e” de alterá-la surgiu justamente graças ao legado de Dilma, mas é um argumento desonesto intelectua­lmente.

O impeachmen­t só se tornou possível quando houve um alinhament­o de astros: impopulari­dade da presidente, colapso econômico, falta de suporte político e compromiss­o do então vice com o controle fiscal. A tal ponte (ou pinguela) para o futuro nada mais era que uma promissóri­a que o PMDB assinou para obter o embarque do PIB na canoa do impeachmen­t.

Agir como uma Dilma rediviva com a desculpa de que as contas vão explodir configura estelionat­o em uma das principais (talvez a única) propostas que Temer tinha para justificar um governo com seu nome.

Agora o atual presidente tem em sua curta trajetória escândalos éticos, impopulari­dade recorde, dificuldad­e de articular a base e, logo mais, pedaladas fiscais. Qual a diferença em relação à petista, mesmo?

A proposta de mudar a regra de ouro inviabiliz­a a votação da reforma da Previdênci­a, por ser contraditó­ria com seu propósito. Significar­á a Temer a perda de apoio à PEC entre economista­s e formadores de opinião.

Ou seus aliados percebem os erros políticos e técnicos desse início de ano e param de fazer gol contra ou a já duvidosa chance de avançar com a emenda será convertida em impossibil­idade.

Governo iniciou 2018 com o pé esquerdo e põe em xeque ideia de votar Previdênci­a em fevereiro

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil